Notícias

Busca

MATRA

A Lei da “Contribuição de Iluminação Pública” e a salsicha

03 de maio de 2014 - 19:09

Novos valores da CIP já estão sendo aplicados.

Otto von Bismarck, o primeiro chanceler da Alemanha,  já dizia no século XIX que “os cidadãos não poderiam dormir tranqüilos se soubessem como são feitas as salsichas e as leis”. De lá para cá muita coisa parece ter mudado no processo de fabricação das salsichas, mas pouco se pode dizer do processo de elaboração das leis no Município de Marília em plena vigência do Estado Democrático de Direito.

Vamos falar do Processo Legislativo utilizado para a criação da Lei Municipal nº 5377 publicada em 26/12/2002 que instituiu a Contribuição de Iluminação Pública no Município de Marília, quando era prefeito Abelardo Camarinha e Presidente da Câmara Municipal Herval Rosa Seabra.

De acordo com o Regimento Interno da Câmara o Processo Legislativo para a criação das leis é formado de várias fases: a) Iniciativab) discussãoc) deliberaçãod) sanção ou vetoe) promulgaçãof) publicação. Mas veremos como se deu a mágica de concentrar as fases “b” e “c” – as mais importantes – em poucas horas apenas.

A pressa é inimiga da perfeição

É preciso compreender, inicialmente, que até 20/12/ 2002 (sexta-feira) – quando foi publicada e efetivamente entrou em vigor a Emenda Constitucional 39/2002 – os municípios não tinham competência legislativa para instituir essa contribuição, razão pela qual qualquer projeto de lei nesse sentido, a rigor, só poderia ser apresentado após essa data. Mas não foi o que aconteceu.

Em 17/12/2002 (terça-feira) o então prefeito fez protocolar junto à secretaria da Câmara Municipal o Projeto de Lei 311/2002. Um dia depois já foi designada a sessão extraordinária e no dia seguinte (19/12/2002 – quinta-feira) o chefe do Legislativo determinou a remessa do mesmo às Comissões (Comissão de Justiça e Redação e à Comissão de Finanças, Orçamento e Servidor Público) para análise e parecer (fase da discussão). Posteriormente, em 20/12/2002 (sexta-feira) – mesmo sem os pareceres – já foi publicado o Edital de Convocação nº 30/2002 para a sessão extraordinária da Câmara a realizar-se no dia 23/12/2002 (segunda-feira), com a inclusão do referido projeto na ordem do dia para deliberação em plenário.

O fato é que projeto de Lei que só deveria ter sido protocolado após 20/12/2002 (sexta-feira) – data da entrada em vigor da EC 39/2002 – já se encontrava em tramitação na Câmara Municipal três dias antes e o que é pior, já se encontrava também incluído na Ordem do Dia de 23/12/2002 para apreciação e deliberação e cuja sessão começaria às 17h.

Ocorre que redigido de afogadilho o projeto de lei em questão – apesar de dizer que ficava “instituída a Contribuição para o Custeio de Iluminação Pública” – não continha elementos importantes e necessários à criação pretendida: fato gerador, sujeito passivo, base de cálculo e alíquota. Ou seja, ainda que fosse aprovado o projeto, a contribuição não estaria instituída e não poderia ser cobrada no exercício de 2003. Por essa razão, no mesmo dia da votação (23/12/2002), foi encaminhado à Câmara um substitutivo contendo os todos os elementos do tributo e representando um novo projeto, completamente diferente do original.

Mas como o ofício firmado pelo então Prefeito visando o encaminhamento do substitutivo mencionado não contém numeração oficial do órgão expedidor, presume-se que este tenha chegado às mãos da Presidência da Casa informalmente, no início da sessão em que foi votado e sem que as comissões houvessem se manifestado especificamente sobre o mesmo. Até porque não há na cópia fornecida à Matra, nenhum documento que comprove o encaminhamento do substitutivo às comissões permanentes.

simulação da fase de discussão do projeto

A cópia do Processo legislativo encaminhada pela Câmara Municipal à Matra contém, assim, fortes indícios de simulações na fase de discussão do processo legislativo, além de afrontas insanáveis ao Regimento Interno da Casa.

É bom lembrar também que o art. 43 do Regimento determina que os presidentes dessas comissões permanentes nomeiem, entre os seus respectivos componentes, alguém para exercer a função de Relator para o caso, o que não foi obedecido, pois não há no processo notícia tais nomeações e os pareceres foram assinados sem a identificação desses relatores.

E mais do que isso: ao menos no caso da Comissão de Finanças, Orçamento e Servidor Público, um de seus membros, o vereador Luis Carlos da Silva, só assinou o “Comprovante de Entrega” do projeto para estudos no dia 23/12/02 (segunda-feira) às 15h, ou seja, duas horas antes do início da sessão que acabaria aprovando o projeto.

O resultado foi a apresentação de dois pareceres completamente simplórios e desprovidos da necessária e substancial fundamentação. Pareceres esses, oriundos de comissões cujos presidentes à época eram Marcos Camarinha (Comissão de Justiça e Redação) e Elias Gea Leonel (Comissão de Finanças, Orçamento e Servidor Público). O detalhe é que tais Pareceres – se bem fundamentados e se desfavoráveis à aprovação do projeto – poderiam até determinar o arquivamento da proposição a requerimento de seu autor (Prefeito), dada a importância que o Regimento lhes dá (RI art. 19 XXXI).

Vista por esse ângulo, a importante fase da discussão, notadamente no momento do trabalho das comissões permanentes, não teria passado de uma mal dissimulada farsa em que os pareceres teriam sido apresentados aos respectivos membros, já prontos e apenas para assinatura, como parece demonstrar a declaração do então vereador Teruaki Kuschicawa (Comissão de Justiça e Redação), onde se constata que este se limitou a assinar o parecer “com reservas”, quando sua obrigação era a de apresentar seu parecer em separado, indicando as razões da restrição feita, pois “nenhum membro pode deixar de opinar” (RI Art.47).

Tudo isso vicia o Processo Legislativo por representar uma verdadeira supressão parcial da fase de discussão do Processo Legislativo, embora esta se apresente formalmente em ordem e com os pareceres apresentados “apenas para inglês ver”. Pode-se imaginar o nível de informação que norteou os vereadores da base aliada – na época quinze – quando aprovaram o projeto. Dois não compareceram e apenas quatro votaram contra.

A maior confiança no processo de fabricação de salsichas

Essa é a história da Lei municipal nº 5377, que instituiu a Contribuição para o Custeio do Serviço de Iluminação Pública no Município de Marília e que foi publicada em 26/12/2002, dia seguinte ao Natal daquele ano.

Por seu turno, o atual prefeito embarcou nessa canoa em 2013 ao conseguir a edição da Lei nº 7.566/2013 – que instituiu uma nova tabela de valores da CIP,  modificando a lei anterior, sob a alegação de que o Município terá que arcar com os ônus da execução dos serviços de conservação da rede, obrigação esta ainda a cargo da concessionária por força de decisão judicial.

Tudo isso só foi possível em razão da crônica subserviência do Poder Legislativo ao Chefe do Executivo – com vereadores aliados mais interessados em representar a vontade do Prefeito do que a de seus eleitores – e também em função da existência de um ultrapassado Regimento Interno da Câmara Municipal, que facilita até hoje a prática de embustes legislativos.

De qualquer forma, o que se pode perceber é que contando com a atuação da fiscalização sanitária, o processo de fabricação das salsichas ainda parece ser mais confiável do que o processo de elaboração das leis no Município de Marília, que não conta fiscalização alguma.

Comentários

Mais vistos