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Ação Penal nº 470: lições sobre o modo de funcionamento do Poder Judiciário

17 de abril de 2013 - 13:58

A Ação Penal nº 470, do STF, conhecida como “Mensalão”, é um exemplo muito relevante para as instituições políticas e democráticas do nosso país. Conforme leitura corrente de juristas e cientistas políticos, representa um marco significativo no combate à corrupção e no aperfeiçoamento da democracia representativa.

Um lado pouco explorado pela doutrina é o exame do “Mensalão” como exemplo singular para a reflexão a respeito da função judiciária e, sobretudo, quanto ao modo de funcionamento do Poder Judiciário. Este caso emblemático indica pistas do esgotamento do modus operandi atual dos julgamentos realizados pelos Tribunais e demais órgãos colegiados.

Vale registrar, inicialmente, nossa admiração pela Corte e pelos Ministros que a compõem, alguns dos quais tivemos o privilégio de termos como professores de Graduação e Pós-Graduação.

A despeito disso, observamos que o julgamento do “Mensalão” ilustrou, involuntariamente, as dificuldades operacionais que o Poder Judiciário sofre na atualidade: leitura de longuíssimos votos, muitas vezes com extensas citações doutrinárias, jurisprudenciais e transcrições de depoimentos, debates destituídos de metodologia para as intervenções, salvo a vetusta ordem de antiguidade, etc.

Estes critérios e essa forma de julgamento, há muito arraigados na praxe forense, não parecem ser, necessariamente, os mais compatíveis com os princípios de eficiência e celeridade, conforme expectativa da sociedade em relação ao Poder Judiciário.

Na Ação Penal nº 470, conforme informações obtidas na proximidade do final do julgamento, foram contabilizadas cerca de 4 meses de julgamento, após 5 anos de instrução processual, 50.000 páginas de processo, um inacreditável número de horas consumidas em leitura de votos, destacando-se 31 horas e 40 minutos para o voto do Relator, Min. Joaquim Barbosa, e outras 26 horas e 13 minutos para o voto do revisor, Min. Ricardo Lewandowski, além de 6 horas, em média, para os votos dos demais Ministros, inclusive aqueles que se aposentaram no curso do julgamento (Ministros Carlos Britto e Cezar Peluso), o que acrescenta mais 50 horas de pronunciamentos nessa contabilidade (Fonte: Revista Veja, 05.12.12, p. 111-114).

O caso do “Mensalão”, em decorrência de toda sua complexidade, demonstrou de modo ímpar a dificuldade de compatibilizar a (necessária) dinamização dos julgamentos nos órgãos colegiados e as garantias inerentes ao devido processo legal.

É importante consignar que, longe dos holofotes midiáticos, o que sucedeu no julgamento da Ação Penal nº 470 ocorre diuturnamente em todos os Tribunais do país. Além de aguardarem alguns anos nas prateleiras dos fóruns, os julgamentos dos processos pelas Turmas, Câmaras e Seções muitas vezes segue a mesma dinâmica: leituras intermináveis às quais pouca gente presta atenção, pois permeada de formulações estilísticas, transcrições de ensinamentos doutrinários e trechos de depoimentos, quando não a mera repetição de votos padrão ou casos modelo, em que nada de diferente, in concreto, há para as partes, advogados e julgadores.

Não retiramos a importância da forma colegiada de julgamento, muito menos das garantias de publicidade e todas as outras contidas no devido processo legal. Porém, já é tempo de pensar em novas formas de atuação judicial e novos e mais eficientes mecanismos de julgamento, aproveitando-se as ferramentas da gestão judiciária (metodologia mais eficiente de participação oral nos julgamentos, com revisão da sistemática da mera ordem de antiguidade, metodologia de tabulação de resultados, etc.) e da tecnologia da informação (plenários virtuais, digitalização de autos, sustentações orais através de videoconferência, etc.).

Como muitos disseram, o julgamento do “Mensalão” foi exemplar. Na esfera política e, acreditamos, também na esfera técnico-processual.

(*) MARCO AURÉLIO SERAU JUNIOR
Mestre e Doutorando em D. Humanos (USP). Autor de diversas obras, dentre elas Manual dos recursos extraordinário e especial e Recurso Especial Repetitivo no STJ (ambos publicados pela Ed. Método).

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