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Ameaças à consulta pública ampla no Brasil, um dos líderes da Open Government Partnership

16 de fevereiro de 2012 - 14:17

Como um dos diretores da Open Government Partnership (Parceria para Governo Aberto), em poucos meses o Brasil receberá um encontro entre os mais de 50 países participantes de uma iniciativa global sem precedentes: um esforço "multinacional e multilateral" para ampliar o controle, a transparência, o acesso à informação e maior participação nos assuntos de governança. Um tipo de clube para países comprometidos com a abertura, a OGP foi anunciada na Organização das Nações Unidas (ONU) em setembro de 2011 e ganhará corpo depois do encontro de abril de 2012 em Brasília.

Participação e perplexid

Ironicamente, o mais duro dos objetivos da iniciativa é talvez o menos abstrato – assegurar ampla participação popular. Como principal coordenadora não-governamental para a OGP, a Global Integrity desenvolveu um "Netwoking Mechanism" (Mecanismo de Interação) para tentar incentivar a colaboração entre governos, cidadãos e organizações. Mas criar sinergias colaborativas de fora para dentro não é fácil. Eu me cadastrei logo no início do Mecanismo, assim como alguns colegas meus, mas nenhum de nós foi contactado por governos ou outras ONGs aqui no Brasil. De fato, assim como outros países da OGP, o Brasil parece enfrentar problemas em preencher um dos 7 princípios básicos da iniciativa:

"Passo 3: Use ampla consulta pública para informar os compromissos do governo na OGP, e identifique um fórum plural para consultas públicas regulares sobre a implementação da OGP"

Três problemas podem ser os responsáveis por impedir que a participação seja "ampla" e "consultiva". Primeiro, alguns governos tendem a atuar como "comandantes-gerais" de iniciativas de participação, tornando-as corporativas. Segundo, a participação em alguns países tem alguns elementos de restrição que vão contra os princípios de pluralidade e transparência sobre os quais a OGP foi estabelecida. Terceiro, muitos governos estão simplesmente atrasados, e como resultado não encorajaram ou facilitaram participação significativa. Em 13 de fevereiro de 2012, a organização freedominfo.org mostrou que 21 governos estão atrasados na atualização de seus compromissos. Por sua vez, o Brasil não registrou nenhum desenvolvimento no site da OGP desde setembro de 2011 – apesar de seu papel como exemplo, sendo um dos diretores. Além disso, não houve "ampla consulta" nem "fórum plural" na Internet – o melhor meio para discussão em um país tão grande como o Brasil.

O que o governo brasileiro me disse

Conversei com um representante sênior da Controladoria-Geral da União (CGU) em outubro de 2011, logo depois do anúncio da Open Government Partnership em setembro. Essa pessoa expôs o claro compromisso do governo com a iniciativa, mas foi vago sobre os planos para mecanismos concretos de participação. Depois disso, eu o agradeci enviando-lhe um e-mail e recomendando alguns especialistas em vários aspectos do governo aberto na América Latina. Nunca recebi uma resposta, o que talvez seja esperado ao interagir com um alto funcionário ocupado. Enviei um segundo e-mail em meados de janeiro, perguntando-lhe sobre consultas públicas sobre a OGP, e esperei cinco dias antes de enviar um questionário de acompanhamento.

Este segundo e-mail foi pensado para exigir uma resposta, e causou irritação do outro lado. Recebi um e-mail dizendo que o ministro-chefe da Controladoria-Geral tem tido um diálogo "franco e aberto" com a sociedade civil. A CGU esteve em contato estreito com três ONGs: Ibase (Rio de Janeiro), Inesc (Brasília), e Transparência Hacker (mais um "coletivo" do que uma ONG propriamente dita). O alto funcionário também apontou que o governo instalou um Comitê Interministerial para Governo Aberto.

Ainda assim, os fatos sugerem uma decepcionante "ampla consulta pública" pelo governo brasileiro. Uma consulta restrita a três ONGs é, em qualquer lugar, inadequada para um país com 190 milhões de pessoas. E as últimas notícias na Internet sobre o Comitê Interministerial para Governo Aberto apareceram em 21 de dezembro, aproximadamente quando esse órgão foi estabelecido: o Comitê também carece de uma presença oficial na web.

Ameaças a uma "ampla consulta pública"

Qualquer pessoa concordaria sem hesitar que esses esforços passam bem longe de uma "consulta pública ampla". Embora o esforço do governo para interagir com um público maior deixe muito a desejar, são os líderes da sociedade civil que deveriam, em última instância, tomar a frente da iniciativa de cobrar do governo um passo à frente, e realizar a consulta eles mesmos. A consulta governo-sociedade deveria ser o último passo em uma ampla deliberação pública orquestrada por respresentantes civis, naquilo que é uma iniciativa para beneficiar cidadãos.

Tanto governo quanto as ONGs deveriam fornecer fóruns abertos para contribuições, anúncios e atualizações sobre reuniões com quem quer que esteja tendo discussões "francas e abertas". "Franco e aberto" não significa transparente, a menos que o conteúdo das discussões seja visível e prontamente disponível para o público pelo menos na Internet.

O perigo de iniciativas lideradas por governo tornarem-se um "clube fechado" em meio a alguns poucos representantes da sociedade civil é constante, especialmente dentro do contexto político latinoamericano. Muito mais do que outras regiões, a América Latina tem um histórico de movimentos civis que são sumariamente incorporados a um quadro "oficial" ou "partidário". O resultado é, frequentemente, a neutralização ou a cooptação.

Mas a outra ameaça, a ameaça da exclusividade impondo-se à inclusividade, é universal. Uma importante ONG canadense, o Canadian Council on Social Development (Conselho Canadense sobre o Desenvolvimento Social), escreveu recentemente:

"Até agora, discussões sobre governo aberto não incluíram perspectivas de políticos locais, dados públicos temáticos e usuários e produtores de informação, nem aqueles ativamente envolvidos com deliberação com o governo. A discussão até agora tem sido principalmente dentro dos setores de tecnologia da informação."

O governo canadense ao menos oferece um fórum para sugestões públicas, incluindo um debate no Twitter, desde 19 de dezembro de 2011. Também publicou uma atualização em seus compromissos na OGP, em 31 de janeiro de 2012.

Diálogo em três níveis

Está claro que o diálogo deveria começar com "consultas amplas" dentro da sociedade. O governo pode ajudar, solicitando que organizações instalem um comitê de direção geral que possa abranger diversas partes e setores do país. Mas agora as organizações deveriam se coordenar sozinhas e cumprir essa tarefa, evitando um diálogo exclusivo com o governo e outras organizações "de elite" – por mais atraente que isso possa ser. Segundo, o governo deve instalar um fórum amplo – dentro e fora da Internet – para abrigar sugestões e preocupações de todos os setores e regiões geográficas.

Finalmente, vale a pena pensar sobre como os líderes civis e servidores públicos em um país podem ajudar uns aos outros. Este terceiro nível de diálogo é essencial, e a esse respeito o Networking Mechanism do Global Integrity tem sido lamentavelmente sub-utilizado. Países como o Brasil – democracias empenadas e desiguais com tradição de centralização e um terceiro setor jovem – podem ter sucesso em ultrapassar suas fronteiras e procurar exemplos, direcionamento e diálogo.

Fonte: Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas – 15/02/2012

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