Notícias

Busca

MATRA

Auditores e procuradores do TCU criticam limites ao Ministério Público

19 de abril de 2013 - 09:06

Três entidades que representam auditores, procuradores e servidores dos Tribunais de Contas do Brasil criticaram a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 37/11, que limita os poderes de investigação do Ministério Público. De acordo com a PEC 37, as investigações criminais só poderão ser feitas pela polícia civil e federal. Mas haverá riscos para a produção de provas, na opinião das associações do Ministério Público de Contas (Ampcon), dos auditores (ANTC) e dos servidores dos tribunais de contas (Fenastc).

“A proposta tem o poder de fulminar, para fins de provas na esfera penal, a validade de decisões e documentos das ações de fiscalização e outras apurações realizadas por órgãos”, disseram as entidades em nota divulgada. Entre os órgãos que não poderiam fornecer provas a processos criminais estão a Receita Federal, Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), os Tribunais de Contas da União (TCU), dos estados e dos municípios, assim como as CPIs. “Os efeitos da proposta, ainda que de forma reflexa, atentam contra o regime democrático, a cidadania e o Estado de Direito”, afirmaram as entidades.
Confira abaixo a íntegra da nota:

Em face da possibilidade concreta de votação e aprovação da Proposta de Emenda à Constituição nº 37, também conhecida como “PEC da Impunidade”, as Associações Nacionais do Ministério Público de Contas (AMPCON) e dos Auditores de Controle Externo dos Tribunais de Contas do Brasil (ANTC), assim como a Federação Nacional das Entidades dos Servidores dos Tribunais de Contas do Brasil (FENASTC), apoiam as mobilizações dos Ministérios Públicos Federal e dos Estados destinadas a alertar a sociedade sobre grave risco decorrente da Proposta de Emenda Constitucional nº 37, de 2011, também conhecida como “PEC da Impunidade”, pelo seu efeito lesivo ao interesse público e ao próprio regime democrático.

Embora provavelmente não tenha sido essa a razão que levou à propositura e apoio das carreiras das Polícias Federal e Civil, é fato que os efeitos da proposta, ainda que de forma reflexa, atentam contra o regime democrático, a cidadania e o Estado de Direito.
A proposta tem o poder de fulminar, para fins de provas na esfera penal, a validade de decisões e documentos das ações de fiscalização e outras apurações realizadas por órgãos tais como a Receita Federal, Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), Tribunais de Contas da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos Ministérios Públicos de Contas, assim como importantes investigações realizadas pelas Comissões Parlamentares de Inquérito (“CPI dos Sanguessugas”, “CPI do Cachoeira”).

Não são poucas as fiscalizações em que o TCU identifica fraude em licitações e outras práticas nocivas ao patrimônio do povo, cujas decisões e documentação comprobatória são encaminhadas à própria Polícia Federal e ao Ministério Público Federal, e correspondentes na esfera estadual, que se valem desses documentos para instaurar os procedimentos no âmbito de suas competências. Com a PEC 37, todo o esforço e a expertise dos Tribunais de Contas se perdem.

Em um País de dimensões continentais, com mais de 5,5 mil Municípios que, embora autônomos, dependem substancialmente do repasse de recursos da União, o que os submetem ao controle de um conjunto de órgãos federais, a proposta que, na prática, invalida a eficácia de documentos comprobatórios compartilhados entre os diversos órgãos de controle padece de lógica e razoabilidade por atentar contra o princípio da eficiência, o qual pressupõe, acima de tudo, racionalidade das ações de controle.

Por outro prisma, nem sempre as Polícias a cargo da União e dos Estados, sujeitas ao comando e influência hierárquica do Chefe Poder Executivo, têm condições institucionais de avançar em algumas investigações. Com a concentração do poder de investigação em uma só instituição, somente as Polícias Civil e Federal, por exemplo, poderão apurar corrupção, crimes praticados por policiais ou a prática de trabalho escravo.

No plano eleitoral, os efeitos são ainda mais nocivos para a cidadania, já que a apuração de crimes como compra de votos e corrupção eleitoral também ficará limitada às Polícias, que nem sempre dispõem de efetivo suficiente para fazer todos os enfrentamentos no âmbito de suas jurisdições.

Em bases tão restritivas sob várias óticas, conferir exclusividade de investigação às Polícias certamente inibirá o combate a crimes eleitorais que podem ter como alvos os próprios governantes de plantão e seus aliados políticos, tornando letra morta parte essencial da importantíssima Lei de Iniciativa Popular (Lei 9.840, de 1999) que visa exatamente combater a compra de voto.

A proposta também reduz, em muito, a capacidade de investigação de casos especiais a exemplo de operações financeiras, cujos delitos são bem mais complexos, exatamente devido ao caráter multidisciplinar dessas operações.

Tal medida, proposta em flagrante retrocesso às práticas eficientes de combate à corrupção e à lavagem de dinheiro, inviabiliza a atuação rápida e eficiente do Estado. Com efeito, aumenta-se, ainda mais, a impunidade que grassa no País, o que é preocupante e merece reação da sociedade civil.

Segundo altos estudos, países notabilizados pela prevenção e combate eficiente à fraude e a práticas de corrupção já constataram que seus esforços tendem a alcançar resultados mais efetivos quando a política estatal se volta para três pontos fundamentais: 1) intercâmbio de informações; 2) aperfeiçoamento dos mecanismos de prevenção; 3) capacitação técnica das instituições e forças envolvidas no combate à corrupção e à macrocriminalidade.

Dessa forma, não é razoável que, em pleno Século XXI, o Brasil – que é a sétima economia do planeta – contrarie a tendência mundial e passe a adotar práticas institucionais que se verificam apenas em três países no mundo, os quais ainda vedam a investigação pelo Ministério Público: Indonésia, Uganda e Quênia. Esses países, porém, não constituem bons referenciais no que tange ao índice de percepção da corrupção, assumindo, respectivamente, 118ª, 130ª e 139ª posições no ranking mundial de 2012 constituído por 176 países.

A história brasileira mostra que, em duas décadas e meia de promulgação da Constituição Cidadã, foram inúmeras investigações e denúncias realizadas pelo Ministério Público, as quais têm em comum o enfrentamento do poder econômico e político. Apesar dos avanços, escândalos de corrupção pública, movimentações ilícitas de capitais, utilização indevida de verbas públicas e fundos de campanhas políticas ainda são frequentes no País. Nesse cenário, o exclusivismo favorece a impunidade e compromete novas gerações.

A corrupção – verdadeiro “cupim da República” – permeia a Administração Pública em diferentes níveis, comprometendo a implantação de políticas públicas essenciais para os cidadãos, tais como saúde, educação, segurança pública, saneamento básico, infraestrutura, etc. Tal fenômeno destrói vidas e comunidades, aniquila instituições, o que pode levar à desestabilização social e conflitos violentos, fragilizando nações.
No plano fiscal, os efeitos da PEC 37 não são menores e parecem desconhecidos por alguns e negligenciados pelo Governo Federal. A avaliação sob esse ângulo é essencial, porque a insuficiência estrutural dos Poderes Públicos em um País de dimensões continentais é uma realidade que exige formas inteligentes e racionais de ações articuladas de controle, de modo a potencializar, ao máximo, os pontos fortes de cada instituição, já que as restrições de ordem fiscal são de difícil transposição. Essa é a expressão genuína do princípio da gestão fiscal responsável.

Auditorias Operacionais realizadas pelo TCU (Acórdãos 360 e 1.449/2012-Plenário) demonstram que, atualmente, a Polícia Federal carece de efetivo para fazer as atividades básicas de segurança pública, a despeito da atuação subsidiária do Ministério Público nos diversos ramos, notadamente nos especializados em Trabalho e Eleitoral.

Ações nessas áreas, porém, não podem ser relegadas a segundo plano por falta de margem de expansão da despesa com pessoal da União, sob pena de atentar contra os direitos humanos e a cidadania, que carecem de ações prioritárias promovidas com vistas a garantir a dignidade humana e a cidadania, mediante ações de combate ao trabalho escravo e à compra de votos, cujas práticas, lamentavelmente, colocam o Brasil em situação diametralmente oposta à sua posição no ranking de indicadores econômicos que alçam o País à sétima economia do planeta.

Diante da necessidade de constituir efetivo cujo o impacto sobre as contas públicas sequer é sabido, é oportuno anotar que, em período de inflação crescente e dificuldade de cumprimento das metas fiscais, o Poder Executivo da União dificilmente expandirá as despesas com pessoal além do planejamento realizado para dar cumprimento, inclusive, às determinações do TCU visando à substituição de agentes terceirizados em situação irregular e à ampliação da capacidade operacional dos órgãos de segurança pública, especialmente para dar cobertura aos eventos grandiosos da Copa do Mundo e Olimpíadas.

Essa restrição pode vir a comprometer, sobremaneira, a contratação de novos servidores para que as instituições típicas de segurança pública disponham de efetivo necessário para levar a cabo a exclusividade almejada com a PEC 37 nos mais diversos segmentos que exigiriam a pronta atuação das polícias em todo País.

A realidade fiscal dos 26 Estados é ainda mais crítica no que tange à capacidade de expansão da despesa com pessoal, podendo-se afirmar, sem risco de erro, que a PEC 37 constitui exemplo ímpar de proposta legislativa que carece de ação planejada para a sua implementação, negligenciando o pressuposto maior da gestão fiscal responsável.
Chama atenção o fato de o Poder Executivo da União não ter demonstrado, até agora, atenção e cuidado com a tramitação da matéria, repetindo a mesma estratégia que o levou ao impasse e desgaste político com a tramitação da PEC 300, cujos efeitos, se aprovada, gerarão impactos fiscais para a União e para os Estados.

Em face do exposto, as entidades signatárias desta Nota entendem que a implementação da exclusividade de investigação tal como se almeja contraria não apenas o interesse público, mas acima de tudo não guarda coerência com o princípio da racionalidade da gestão, apresentando, na essência, grande potencial de comprometer a gestão fiscal responsável, pressuposto fundamental para garantir o equilíbrio das contas nacionais.

Fonte: Congresso em Foco

Comentários

Mais vistos