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Congresso: MPF quer devolução de R$ 3 bilhões de supersalário

03 de outubro de 2013 - 10:49

Superhomem_Amauri Ploteira

A procuradora da República Anna Carolina Maia Garcia investiga os supersalários do Congresso há pelo menos quatro anos. Junto com outros colegas do Ministério Público Federal, obteve três liminares que obrigaram o Executivo, a Câmara e o Senado a cortarem os megacontracheques até o limite determinado pela Constituição, hoje de R$ 28 mil por mês. Quase tudo em vão. A Câmara e o Senado derrubaram as ordens judiciais ainda naquele ano de 2011. Agora, pela primeira vez, ela está otimista de que o dinheiro público vai voltar para seu lugar e ajudar a financiar áreas importantes do país, como saúde, educação e transporte, as principais queixas dos protestos de junho. O Ministério Público Federal quer a devolução de R$ 3,3 bilhões de funcionários das duas Casas que receberam acima do teto do funcionalismo público.

Na semana passada, o Tribunal de Contas da União (TCU) mandou o Senado, assim como a Câmara, cortar os pagamentos ilegais e determinou a devolução de R$ 788 milhões recebidos indevidamente por milhares de servidores. O motivo do otimismo de Anna Carolina é que o Brasil mudou, na avaliação dela. “O cenário é outro. Há uma pressão maior da sociedade”, diz ela em entrevista ao Congresso em Foco, referindo-se aos protestos de rua e também à promessa do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), de cortar tudo e cobrar nos contracheques a devolução “imediatamente”. A procuradora vai além. Diz que a Câmara e o Senado não precisam se limitar a cobrar valores pagos erroneamente apenas dos milhares de funcionários listados nas duas auditorias do TCU, feitas em 2009 e 2010. Só a montanha de dinheiro mencionada nesses relatórios alcança R$ 3,3 bilhões – sendo R$ 2,5 bilhões na Câmara.

Serviço público não é para enriquecer, diz procuradora

É possível, diz Anna Carolina, que as administrações da Câmara verifiquem todos os funcionários que receberam supersalários ou outras verbas irregulares após esses períodos e, assim, cobrar tudo de volta. “Inclusive dos que não estão na auditoria. É um dever de bem zelar pela administração”, explicou a procuradora. “Tomei conhecimento que fulano fez irregularidade ‘x’, mas verifiquei que ela se repete em cem pessoas. É meu dever corrigi-la em relação às noventa e nove. Os presidentes da Câmara e do Senado, como autoridade administrativa, têm autonomia para rever os atos da administração viciados.”

O raciocínio vale também para o corte dos futuros supersalários na Câmara, já que o ministro Raimundo Carreiro, do TCU, suspendeu a decisão de cortar os valores acima do teto na Casa até o julgamento de um recurso de funcionários do Congresso.

Recomendação

Anna Carolina admite fazer uma recomendação formal ao TCU caso a Câmara e o Senado não cortem o excedente de salários e não cobrem de volta os valores pagos indevidamente dos funcionários não listados nas auditorias. Ela acredita que isso, porém, não será necessário por ser uma decisão “básica”. “Pode ser que, nestes 30 dias, o Senado apresente ao TCU documento dizendo que isso já foi feito.”

A procuradora diz ter esperança de que Renan e o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), levem em consideração a pressão das ruas. “Há uma pressão maior da sociedade em torno dessas medidas que moralizam.”

Apesar disso, Anna Carolina reconhece que a devolução vai demorar um pouco. Como mostrou o Congresso em Foco, no Senado, a devolução pode levar quatro anos em média. “O ressarcimento vai ser a conta-gotas, porque 10% é muito pouco, mas já é um avanço.” Corrigir os pagamentos futuramente também é importante, observa. “Isso é que, mês a mês, causa milhões de prejuízos aos cofres públicos”, afirma a procuradora.

Estratégia

Ao ajuizar ações contra a Câmara, o Senado e a União, Anna Carolina e seus colegas da Procuradoria da República do Distrito Federal não pediram a devolução do dinheiro embolsado ilegalmente. Caso fizesse isso, teriam que colocar como réus milhares de servidores, o que causaria atraso imenso ao processo. Em vez disso, representaram ao TCU em 2010 para que a própria corte de contas fizesse isso, mas de maneira mais rápida. Na decisão do tribunal que mandou devolver os salários e outros ganhos irregulares, os ministros entenderam que não seria preciso tomar depoimento de milhares de funcionários.

Em 2 de dezembro de 2010, os procuradores José Alfredo de Paula, Raquel Branquinho e Anna Carolina pediram que o TCU cobrasse, já naquele momento, tudo o que foi pago a mais nos últimos cinco anos, ou seja, de 2005 a 2010. Se a medida – também pedida meses antes pelos auditores Alexander Jorge, Lídio Ferreira e Allysson Paulista, da Secretaria de Fiscalização de Pessoal do tribunal – tivesse sido acatada, os prejuízos aos cofres seriam menores. O Ministério Público pediu processos individuais para retomar “o montante devido por cada um”, segundo mostra o ofício 331/2010.

Atos secretos

A auditoria do TCU foi feita a pedido do Ministério Público Federal e do então presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), após a revelação dos atos secretos da Casa, em 2009. No ofício 776, de junho daquele ano, o Ministério Público pede que o TCU analise o sistema de folha de pagamentos do Senado porque até mesmo o controle interno da Casa não tinha acesso a ele. “Considerando todo este quadro e as recentes notícias provenientes do próprio Senado de que muitos dos Atos sequer eram publicados (…), é imprescindível seja feita uma auditoria pelo Tribunal de Contas da União no sistema Ergon de todo o Senado, a fim de verificar se os benefícios inseridos no sistema estão de acordo com a documentação física mantida pelo Senado em relação a cada servidor”, dizia o texto, assinado por Anna Carolina e a colega Raquel Branquinho.

A Procuradoria ainda pediu uma análise da legalidade dos atos secretos. Era um conjunto de normas não publicadas nos boletins internos do Senado que concediam aumentos e faziam nomeações de apadrinhados dos senadores e de altos funcionários da Casa.

“O TCU abriu essa tomada de contas, que deu ensejo à auditoria e nos encaminhou o resultado, que, de fato, comprovou várias irregularidades”. Com a papelada em mãos, o MPF ajuizou dez ações na Justiça contra o Executivo, a Câmara e o Senado, conseguindo suspender os pagamentos temporariamente. Mas o Senado e a Câmara recorreram e conseguiram suspender a decisão no Tribunal Regional Federal da 1ª Região. O caso ainda está sendo julgado pela 9ª Vara Federal. Agora, ao contrário de recorrer, o Senado promete cumprir uma decisão ainda mais rigorosa do que a determinada há dois anos.

Reportagens e censura

Como mostrou série de reportagens do Congresso em Foco, os supersalários são pagos a políticos, autoridades, magistrados e servidores de todos os Poderes, dentro e fora de Brasília. No Congresso, até o ex-presidente do Senado José Sarney (PMDB-AP) recebe acima do teto. Com cerca de 7 mil funcionários efetivos, o Congresso tinha 1.588 servidores (quase um quarto) ganhando mais do que prevê a Constituição em 2009 e 2010. Três anos depois, a quantidade quase dobrou, chegando a 2.914 segundo nova auditoria do TCU, como revelou o jornal O Estado de S.Paulo. São 714 no Senado e 2.200 na Câmara.

Por publicar listas com nomes de servidores do Congresso donos de megacontracheques, o Congresso em Foco foi alvo de 50 ações judiciais de funcionários do Senado, 47 delas patrocinadas pelo sindicato deles, o Sindilegis. Duas pediram a censura prévia das reportagens. Todos os processos julgados foram considerados improcedentes pela Justiça. Só restam oito ações em andamento.

Fonte: Congresso em Foco

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