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Entrevista: ‘Não sei o que existe mais: corrupção ou desperdício’

22 de outubro de 2013 - 11:44

Aniele Nascimento/ Gazeta do Povo /

Ex-presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), o ministro Ubiratan Aguiar, que se aposentou do cargo em 2011, sempre defendeu o compartilhamento de ações entre os órgãos de controle. Para ele, o trabalho integrado torna mais eficaz a fiscalização dos gestores e do dinheiro público, além de conferir mais efetividade às denúncias. “A integração dos órgãos de controle é em favor do Estado e do povo brasileiro”, afirma nesta entrevista à Gazeta do Povo, concedida durante encontro da Rede Paranaense de Controle da Gestão Pú­­­blica, na semana passada, em Curitiba. No evento, Aguiar enfatizou a iniciativa do Paraná, que começa a traçar novos rumos ao trabalho dos órgãos. Porém, ele ressalta que, sem a participação popular, pouca coisa deve mudar. “Realmente nós vivemos uma crise de cidadania sem tamanho”, diz.

O senhor defende uma integração entre os órgãos de controle. Ainda falta esse avanço?

Falta. Todas as entidades de controle específico precisam estar de mãos dadas. O Tribunal de Contas só pode julgar se tiver todos os dados e, algumas vezes, precisa recorrer a dados sigilosos. Se estamos sobre o manto do Estado, por que não se passa ao Tribunal? Por que, por exemplo, o Ministério Público e o Tribunal não se dão as mãos e nós vamos socorrê-los com auditorias? Então, eu continuo a falar sobre a necessidade de integração.

E como fazer?

O Paraná está dando um exemplo; o Rio Grande do Sul e a Paraíba também [com as Redes de Controle da Gestão Pública]. Uns estão mais avançados que outros, mas é preciso que haja também um controle social efetivo, com a própria sociedade reclamando e a imprensa cumprindo seu papel. A integração dos órgãos de controle é em favor do Estado e do povo brasileiro. Não sei o que existe mais: a corrupção ou o desperdício. Só sei que a soma dos dois nos tira recursos de setores essenciais.

O político ainda tem medo da atuação dos órgãos de controle?

O mau gestor recebe o conselheiro, o auditor ou ministro como alguém que quer prejudicá-lo e encontrar falhas. Há sempre um receio. O bom gestor o recebe como um companheiro que pode e deve orientá-lo. Qualquer auditor fica receoso quando precisa receber no tribunal um empresário, um advogado ou a parte, seja ela quem for, porque isso pode ser entendido como um ato promíscuo. Mas, eu sempre digo: “Nós não podemos ser carmelitas descalças”. As santas carmelitas não saíam dos carmelos com medo do pecado. Nós devemos estar imunizados e sair, para orientar e esclarecer. Essa é a primeira tarefa dos tribunais de contas. Antes de sancionar, temos que ir ao encontro dos gestores para esclarecer, mostrar como se faz o cumprimento da lei e como o tribunal aprecia as matérias. Se a saúde nos ensina que devemos fazer exames de prevenção para não sermos acometidos de doenças, então os tribunais e órgãos de controle têm que pegar o corpo do Estado e agir preventivamente para que doenças como a corrupção não tomem conta do organismo.

Ainda faltam ferramentas de controle social ou falta interesse da população?

Vejo o avanço da corrupção e de desperdício com muita preocupação. A outra ponta é a impunidade. Nossas leis têm que ser revistas, como a lei processual. Isso passa um sentimento de impunidade para a sociedade que parece estar cansada e só agora saiu da apatia e foi para as ruas. Realmente nós vivemos uma crise de cidadania sem tamanho.

Existem vários propostas no Congresso que pretendem mudar a forma de escolha dos conselheiros dos Tribunais de Contas. Como o senhor vê essa discussão?

Há poucos dias, conversando com um amigo, ele disse que era contra esse modelo e eu perguntei: “Você é contra o modelo ou contra o processo que habitualmente se utiliza?”. Eu sou a favor do modelo. No Tribunal de Contas da União são nove ministros: um terço é oriundo do Ministério Público, da auditoria e de livre indicação do presidente. Outro terço é de indicação da Câmara e o outro, do Senado. Mas, a Constituição diz que se trata de indicação da Câmara e do Senado, não diz que tenha que ser um deputado ou senador. Por que a sociedade não indica nomes para o Congresso? Onde estamos nós da OAB [Ordem dos Advogados do Brasil] que não levamos um, dois ou três nomes para escolherem? Basta um partido resistir àquele nome que ele vai para votação. Economistas, engenheiros, por que vocês não se movimentam? Ministério Público, porque não sugere? Há uma passividade. Não estou dizendo que não haja parlamentares com boa formação intelectual e moral. Mas esses nomes tanto podem ser de parlamentares como de não parlamentares que venham a ser indicados à mercê do seu talento e que preencham os requisitos constitucionais.

O senhor citou em sua palestra que a lei processual brasileira precisa de revisões, principalmente em relação aos recursos. Qual seria o melhor modelo?

Defendo o amplo direito de defesa. O recurso é a oportunidade de a parte trazer fatos novos ou que não foram acostados ao processo original, ou para contestar omissões ou contradições do julgador, como no caso dos embargos. No Tribunal de Contas da União existem cinco tipos de recursos, mas só um deles não dá efeito suspensivo da decisão. Quando aquele recurso termina, imediatamente a parte entra com outro e novamente se dá efeito suspensivo. Some esses recursos aos processos que ingressam diariamente. Os processos vão se empilhando e os tribunais, seja o Judiciário ou o TCU, são acusados de lenientes, demorados e morosos. No entanto, se não procedermos assim, estaremos contrariando a lei, não assegurando o amplo direito de defesa. Podem até manter todos esses recursos e implantarem outros, se quiserem, mas defendo que o efeito suspensivo seja mantido só em um deles. Da forma que está, faz-se tudo para procrastinar, apostando, em alguns casos, até na prescrição.

Fonte: Gazeta do Povo

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