Especialistas veem descrença dos jovens em relação à política
Os protestos que tomaram, ontem, as capitais do país mostram uma descrença dos jovens em relação à capacidade dos partidos políticos de articular e defender os interesses da sociedade civil, dizem sociólogos e cientistas políticos ouvidos pelo GLOBO. Eles destacam, ainda, a diversidade de causas entre os manifestantes e a organização dos atos sem liderança definida.
— Ficamos alguns anos sem protestos do tipo, porque os movimentos que costumavam articulá-los conseguiram representatividade no Estado, ao longo da última década — diz Sérgio Amadeu, doutor em Ciência Política pela USP: — O novo movimento não é de um partido político, mas tem vários atores. Os ambientalistas apoiam os ciclistas, que apoiam quem defende a liberdade na internet e assim por diante.
Amadeu, que acompanhou os protestos da semana passada e participou do movimento estudantil na juventude, vê uma grande diferença entre os manifestantes do passado e do presente: a ausência de liderança. Nos anos 1970, afirma, era comum obedecer às lideranças estudantis; hoje, embora o movimento tenha alguns representantes, ele é organizado de forma mais difusa. O que o torna mais resistente à repressão do Estado, já que não há como prender líderes para desarticulá-lo.
Ainda segundo Amadeu, por conta dessa organização, os manifestantes conseguem disseminar imagens da repressão policial mais facilmente. E, com isso, conquistam solidariedade para os protestos. Com a violência policial, os jovens passam a marchar pelo direito de se manifestar.
— Embora o Brasil tenha crescido, não melhoramos o desrespeito com o cidadão em várias áreas. Jovens pobres da periferia continuam apanhando diuturnamente da polícia — afirma.
Quem também vê com bons olhos as manifestações é a socióloga Maria Alice Rezende, da PUC-RJ. Ela percebe no movimento, o estopim de uma crise no sistema partidário.
— Os partidos viraram máquinas sem vida, interessados apenas na reprodução do poder. Os jovens não acreditam mais neles — afirma a socióloga. — Esse movimento é resultado de um abafamento da juventude, que não aguentou mais. Acho que muitas pessoas ainda serão atraídas para as ruas. As manifestações falam de uma nova aventura.
Movimento em busca de direitos
Maria Alice também não acha os atuais protestos parecidos com movimentos anteriores, como os caras-pintadas. A socióloga vê mais alegria neles, por não serem um movimento contra algo, mas em busca de direitos. Também afirma que eles representam algo novo, que ainda vai levar um tempo para ser entendido pelos pesquisadores. E ainda que será preciso esperar para ver se a energia empenhada nos protestos será canalizada para mudanças concretas.
— As autoridades precisam encontrar formas de dialogar com esse movimento. Não é tão simples, já que as lideranças não são claras. Mas é preciso cuidado para não afastar esses jovens da política — afirma Maria Alice.
O cientista político Rafael Cortez, da Tendências Consultoria, vai pelo mesmo caminho. Para ele, a falência dos partidos é um fenômeno mundial, e pode ser visto no Brasil ou na Turquia.
— Acho que eles mostram o fracasso dos partidos como organizadores dos desejos da sociedade. Como eles continuam com o monopólio da questão eleitoral, as pessoas buscam outras formas de se expressar — afirma Cortez. — Agora o partido tem fortes concorrentes da sociedade civil. Esses jovens têm a sensação de não serem representados pela classe política. Pode ser que estejamos vendo o surgimento de um novo tipo de militância.
Para Cortez, São Paulo é o maior exemplo do caráter apartidário do movimento. Lá, diz o cientista político, as críticas são direcionadas ao governador Geraldo Alckmin (PSDB) e ao prefeito Fernando Haddad (PT) — sem distinção entre situação e oposição.