Evolução patrimonial e improbidade administrativa
O súbito enriquecimento de agentes públicos exige acompanhamento por parte dos órgãos de controle, principalmente para se saber da licitude do acréscimo. A denominada Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/92) afirma constituir enriquecimento ilícito adquirir bens de qualquer natureza cujo valor seja desproporcional à evolução do patrimônio ou à renda do agente público.
Resta saber se a evolução patrimonial desproporcional significa, por si só, improbidade administrativa.
Em um primeiro momento, seria possível sustentar que os órgãos de controle deveriam demonstrar que o patrimônio do agente aumentou desarrazoadamente em razão de ato ilícito. Presumese a inocência, conforme mandamento constitucional. Mesmo que o sujeito ostente padrão de vida e patrimônio absolutamente incompatíveis com a renda, não poderá ser responsabilizado por enriquecimento ilícito. Se o Ministério Público ou a pessoa jurídica interessada não demonstrarem que o aumento do patrimônio adveio de corrupção ou de qualquer outra prática desonesta ou imoral, prevalece o princípio da presunção de inocência. Tratase da posição de Juarez Freitas:
“Não há, em nosso sistema, plausibilidade para a tese da responsabilidade do agente público que dispense a investigação subjetiva (dolo ou culpa), por força do art. 37, § 6º da CF. Incontestavelmente, em suma, aquele que intentar a ação terá que se basear, v.g., na declaração de bens e, por acréscimo inevitável, no induvidoso nexo causal do enriquecimento ilícito com a atuação pública. Descabe a alegação temerária, sem solidez ou pelo só gosto de testilha, com base em incertos sinais exteriores de riqueza. Sublinhese que não se admite a culpa presumida, já que a formação da prova carece de esforço consistente, mais do que de frágeis ilações”. 1
Contudo, a Lei de Improbidade Administrativa afirma categoricamente constituir enriquecimento ilícito adquirir, para si ou para outrem, bens de qualquer natureza cujo valor seja desproporcional à evolução do patrimônio e à renda do agente público (art. 9º, VII, da Lei 8.429/92). Toda pessoa, antes de ingressar no funcionalismo público, deverá apresentar declaração de bens, a qual será atualizada anualmente, sob pena de demissão;
após a saída do funcionalismo, as informações ficarão arquivadas pelo prazo de cinco anos, para acompanhamento.
Não é incomum a constatação de pessoas que ingressam na vida pública desprovidas de patrimônio e em reduzidíssimo período amealham fortuna. Cumpre ao agente público acusado de enriquecimento ilícito provar cabalmente a origem de sua desproporcional evolução patrimonial (é seu o ônus!).
O sistema jurídico brasileiro oferece instrumento para punir todo aquele que malbarata o patrimônio público e ofende a higidez na Administração Pública. Basta aplicar a Lei de Improbidade Administrativa. À luz do Código de Processo Civil (CPC), impõese ao Ministério Público ou à pessoa jurídica interessada unicamente o ônus de provar o fato constitutivo do direito – enriquecimento em desacordo com a evolução patrimonial (art. 333, I, CPC)2 e ao réu comprovar a existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito – recebimento de herança, núpcias com pessoa de posses etc (art. 333, II,CPC).
Evidentemente que deverão ser permitidos todos os meios para que o agente público explique a origem do aumento patrimonial, em respeito aos princípios da ampla defesa e do contraditório, os quais deverão estar presentes inclusive no âmbito das investigações realizadas na fase do inquérito civil.
Quem manteve ou mantém relação com o Poder Público deve observância não apenas à lei, mas, sobretudo, aos preceitos éticos e de boa fé. No momento em que a Constituição Federal de 1988 incluiu o princípio da moralidade administrativa no seu texto, a intenção foi a de trazer elementos de valor à conduta dos agentes públicos. A evolução patrimonial meteórica de pessoas que ostentam laços com o Poder Público exige investigação do Ministério Público e dos demais órgãos de fiscalização.
Fonte: EURICO FERRARESI é Promotor de Justiça da Capital (SP).
Segundo o Projeto de Código de Processo Civil (PLS 166/2010), permitese ao juiz, segundo seus “poderes”, distribuir o ônus da prova. O art. 261 do PLS 166/2010 afirma: “O ônus da prova, ressalvados os poderes do juiz, incumbe: I ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito; II ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor”.
1FREITAS, Juarez. O princípio constitucional da moralidade e o novo controle das relações de administração. Revista Interesse Público. Ano X. 2008, n. 51, p.29.