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Governo quer substituir teto de gastos por dívida pública como principal meta fiscal; entenda o que isso mudaria

05 de abril de 2022 - 10:50

O governo federal pretende encaminhar ao Congresso Nacional, ainda neste ano – e em meio aos debates eleitorais –, um projeto de lei que altera as regras para o gasto público.

A ideia é definir o nível de dívida pública como a principal meta de sustentabilidade das despesas públicas – no jargão dos economistas, definir a dívida como a “âncora fiscal”. Atualmente, esse papel é desempenhado pelo teto de gastos, em vigor deste 2017.

A proposta de uma nova âncora fiscal foi divulgada na última semana pelo secretário especial do Tesouro e Orçamento do Ministério da Economia, Esteves Colnago, durante evento promovido pelo Tribunal de Contas da União e pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).

Segundo reportagem publicada pelo G1, nos últimos anos, tanto o teto de gastos quanto a dívida foram espremidos pela recessão econômica – agravada desde 2020 pela pandemia da Covid.

A dívida bruta do governo, no entanto, melhorou no último ano por conta do crescimento do Produto Interno Bruto (PIB, a soma de tudo que o país produz) e da melhora da arrecadação.

O teto de gastos, enquanto isso, continua sendo “flexibilizado” pelo governo para acomodar despesas estratégicas. Em 2021, as regras de cálculo do teto foram alteradas, oficialmente, para permitir gastos com Auxílio Brasil – o que também abriu espaço para emendas parlamentares e fundo eleitoral, por exemplo.

“Esse ano, a ideia aqui é colocar em audiência pública esse dispositivo, sem pressa, até pra gente poder discutir ao longo do ano, e ouvir as críticas da sociedade, e ter uma oportunidade junto ao Parlamento de algo mais consolidado. E eventualmente para aprovar no final do ano, pós-eleição, ou já no próximo mandato”, declarou Colnago.

Em janeiro deste ano, segundo o BC, a dívida bruta do setor público registrou queda para 79,6% do Produto Interno Bruto (PIB). Foi a primeira vez, desde abril de 2020, que a dívida bruta ficou abaixo da marca de 80% do PIB.

O Ministério da Economia discute a atualização das regras fiscais desde 2020 – o termo “fiscal”, neste caso, diz respeito aos gastos públicos.

Essa mudança ficou mais fácil porque a PEC emergencial, aprovada no ano passado, permitiu que o governo aprove uma lei complementar para estabelecer parâmetros para a dívida pública – limites de endividamento, compatibilidade de resultados fiscais e, também, medidas de ajustes para alcançar esses indicadores.

Teto de gastos

O teto de gastos é uma regra que, desde 2017, limita o crescimento da dívida pública. A norma define que a maior parte das despesas dos três poderes não pode crescer acima da inflação do período anterior: se o nível de preços cresceu 5%, os gastos do governo só podem crescer até 5%.

A emenda aprovada pelo Congresso em 2016 estabeleceu validade de 20 anos para o teto de gastos, mas abriu espaço para uma revisão das regras a partir do 10º ano de vigência (2026).

Polêmica, a regra do teto:

No fim de 2021, o governo alterou o teto para limitar o pagamento de precatórios, indicando que o espaço aberto com as mudanças iria para o Auxílio Brasil.

Entretanto, também foram direcionados recursos para emendas de relator (orçamento secreto), reajuste a servidores (ainda sem definição do presidente Bolsonaro) e fundo eleitoral. 

Relembre abaixo:

Ano eleitoral

Embora antiga, a discussão de mudança das regras fiscais está sendo retomada justamente no ano de eleição presidencial. Nas últimas semanas, pré-candidatos de oposição como Ciro Gomes (PDT) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vêm pedindo – e até prometendo – a revogação do teto de gastos.

Do outro lado, o pré-candidato do Podemos e ex-juiz Sergio Moro tem defendido a regra fiscal, assim como o pré-candidato do PSDB, João Doria.

Para Esteves Colnago, do Ministério da Economia, há mais tempo para discussão de assuntos estruturais em ano eleitoral, porque não há urgência de aprovação.

Ele avaliou, ainda, que as regras fiscais não podem ser imutáveis.

“Com relação às flexibilizações das regras fiscais, eu entendo que é necessário. A realidade vai mudando ao longo do tempo. Eu não acredito em uma regra imutável. Vai passar por situações em que você vai ter que flexibilizar um pouco, em outro momento você vai ter que recrudescer outro ponto. Isso é um pouco cíclico”, declarou Colnago.

Economista-chefe e sócio da gestora Ryo Asset, Gabriel Leal de Barros, avaliou que será complicado aprovar algo neste ano, mas disse que o debate é sempre bem-vindo.

“A eleição já traz volatilidade [tensão no mercado, gerando variação na bolsa e câmbio]. É sempre bom debater, mas em um ano eleitoral, com a guerra [na Ucrânia] no meio, o ‘timing’ não é muito bom para implementar”, acrescentou.

Proposta do governo

O g1 pediu ao Ministério da Economia mais detalhes sobre o projeto que deve ser enviado ao Congresso para substituir o teto pela dívida pública no papel de âncora fiscal. Interlocutores da área econômica, no entanto, dizem que o projeto ainda não está “maduro” para ser divulgado.

Em 2020, quando tornou públicos os primeiros estudos sobre o assunto, o Ministério da Economia indicava que o teto de gastos e as metas de resultado primário (diferença entre receitas e despesas, sem contar juros) seriam mantidos.

Os documentos apontavam, no entanto, que apenas em 2026 o teto e as metas primárias perderiam prioridade – e assumiriam o papel de “regras operacionais” para o objetivo central de controlar a dívida.

Por esses papéis, também em 2026, a chamada “regra de ouro” – que impede o governo de contrair dívida para pagar despesas correntes dos ministérios – perderia a validade.

O que dizem analistas

  • Paulo Medas, chefe de Divisão do Departamento de Finanças Públicas do Fundo Monetário Internacional (FMI), que compilou uma base de dados com 106 países, informou que as regras fiscais mais comuns são uma combinação de regra de dívida, com limite ao gasto ou ao déficit público. “Cerca de 70% dos países que têm regras têm um limite para a dívida, combinada com outro limite operacional, como os gastos ou déficit. Cerca de 3/4 das economias avançadas têm limites de gastos. Teto da dívida é particularmente comum em economias emergentes”, afirmou, em evento do TCU/Fiesp.
  • Gabriel Leal de Barros, da Ryo Asset, afirmou que a regra de meta para dívida não funcionou em países da Europa, e que uma eventual mudança poderia gerar um problema de credibilidade e questionamentos por parte do mercado financeiro. “A gente não pode cair nessa armadilha de copiar as regras dos outros países como se os caras lá estivessem em ‘estado de arte’ e achar que vai dar certo aqui (…) Nesse sentido, até poderia ter uma meta de dívida, desde que combinada com outras regras fiscais, com outra regra de [limite para] gasto”, declarou. Para ele, seria importante abrir espaço no teto para novas despesas por meio de uma reforma administrativa e uma fusão de políticas sociais.
  • Fabio Giambiagi e Manoel Pires, pesquisadores associados do FGV-IBRE, lançaram no mês passado uma proposta de reformulação do teto de gastos, autorizando um crescimento real (acima da inflação) das despesas totais, mas limitada a 1,5% ao ano (por sete anos). Eles também propuseram algumas contrapartidas, como uma eliminação gradual do abono salarial, a criação de um subteto para despesas com pessoal e a inclusão dos gastos com Fundeb e com a Justiça Eleitoral dentro do novo modelo para o teto de gastos.
  • Felipe Salto, diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), disse que não há regra fiscal perfeita. “O teto de gastos, nem tanto ao mar nem tanto a terra. Acho que foi positivo de vigência de 2017 pra cá pelo fato de ter reduzido o custo médio da dívida. Claro que o juro [Selic] também caiu porque a inflação estava controlada e estávamos crescendo muitíssimo pouco. Agora o teto precisa de adequações”, declarou, no evento do TCU e da Fiesp. Ele defendeu proposta formulada por Daniel Couri, também economista da IFI, e Paulo Bijos, consultor de Orçamento da Câmara, pela qual seria adotado de um plano fiscal de médio prazo; aliado à revisão periódica dos gastos públicos (cancelando os não eficientes); e à limitação de despesas (não como a regra do teto), fixando objetivos para cada item do gasto orçamentário.

*Fonte: G1

**Imagem meramente ilustrativa.

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