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Lei da transparência tributária: vitória da cidadania

18 de abril de 2013 - 14:05

O incremento dos tributos indiretos, incidentes sobre mercadorias e serviços, é o artifício a que tem recorrido o legislador para majorar a carga tributária sem sofrer desgaste político frente à imensa maioria do eleitorado, na medida em que os consumidores, via de regra, ignoram por completo o ônus tributário que estão suportando ao adquirir mercadorias ou contratar a prestação de serviços. Sabem quanto devem pagar a título de Imposto de Renda e de contribuição previdenciária, mas desconhecem o peso da assombrosa tributação indireta a que se sujeitam, devido à falta de informação oficial e à caótica e efêmera legislação tributária brasileira.

Daí a extrema relevância do art. 150, § 5º, da Constituição da República, que objetiva propiciar a conscientização dos cidadãos, contribuintes de fato dos tributos incidentes sobre mercadorias e serviços, a respeito do ônus econômico que lhes é imputado, estabelecendo que: “A lei determinará medidas para que os consumidores sejam esclarecidos acerca dos impostos que incidam sobre mercadorias e serviços”.

Em que pese a clareza do comando constitucional, o legislador ignorou-o solenemente por mais de duas décadas. Não tinha vontade política de regulamentá-lo. Prevalecia a nefasta intenção de manter os cidadãos brasileiros completamente desinformados acerca dos pesados tributos incidentes sobre os produtos e serviços que adquirem todos os dias.

Felizmente, a inércia do legislador sucumbiu à pressão popular. Veio à luz a “Lei da Transparência Tributária”, que não se originou de iniciativa da Presidência da República ou do Congresso Nacional, mas de um salutar movimento da sociedade civil e, mais precisamente, de um projeto de lei de iniciativa popular.

O movimento foi capitaneado pela Federação das Associações Comerciais do Estado de São Paulo, que lançou a campanha “De Olho no Imposto”, voltada a colher assinaturas para a regulamentação do art. 150, § 5º, da Carta Magna. A campanha, a que aderiram várias instituições civis, logrou êxito, superando os rigorosos requisitos estabelecidos para a apresentação de projetos de lei de iniciativa popular, consistentes na subscrição por mais de um por cento do eleitorado nacional (ou seja, mais de 1,38 milhão de eleitores), distribuídos pelo menos por cinco Estados, com não menos de três décimos por cento de eleitores de cada um deles (art. 61, § 2º, da CF).

Coletadas mais de 1,56 milhão de assinaturas em todo o território nacional, elas foram entregues ao então Presidente do Senado, Renan Calheiros, que assumiu a paternidade do texto, apresentando o Projeto de Lei do Senado nº 174, de 2006. Na Câmara dos Deputados, o projeto de lei recebeu o nº 1.472, de 2007. Após longa tramitação, restou aprovado, originando a Lei 12.741, de 8 de dezembro de 2012, que entrará em vigor em junho do corrente ano.

Trata-se de uma vitória estrondosa de todos os brasileiros, que lutaram para concretizar a Constituição da República e, assim, conseguiram superar os óbices que o Fisco e o Governo impunham à aprovação do projeto.

A Lei da Transparência Tributária determina que conste, dos documentos fiscais ou equivalentes, emitidos por ocasião da venda de mercadorias ou da prestação de serviços, “a informação do valor aproximado correspondente à totalidade dos tributos federais, estaduais e municipais, cuja incidência influi na formação dos respectivos preços de venda” (art. 1º, caput), considerando-se, para tanto, cada mercadoria ou serviço separadamente (art. 1º, § 1º). Faculta, porém, que a informação figure em “painel afixado em local visível do estabelecimento, ou por qualquer outro meio eletrônico ou impresso” (art. 1º, § 2º).

Devem ser informados os tributos incidentes sobre as operações, nomeadamente o ICMS, o ISS, o IPI, o IOF e a Cide-Combustíveis, bem como as contribuições que gravam a receita correlata, quais sejam a Cofins e o PIS/Pasep (art. 1º, § 5º).

Ressalvado o IPI, é simples apurar esses tributos, por incidirem sobre a operação em foco, mas não aqueles cobrados nas operações anteriores, como o Imposto de Importação, a Cofins-Importação, o PIS/Pasep-Importação e o IPI. O valor destes tributos, no entanto, haverá de ser informado sempre que digam respeito a produtos “cujos insumos ou componentes sejam oriundos de operações de comércio exterior e representem percentual superior a 20% (vinte por cento) do preço de venda” (art. 1º, § 6º), hipótese em que os fornecedores estarão sujeitos a uma obrigação significativamente gravosa: “fornecer aos adquirentes, em meio magnético, os valores” do Imposto de Importação e do IPI “individualizados por item comercializado” (art. 1º, § 7º).

A lei exige, outrossim, que, quando o “pagamento de pessoal constituir item de custo direto do serviço ou produto fornecido ao consumidor”, seja divulgada a “contribuição previdenciária dos empregados e dos empregadores incidente, alocada ao serviço ou produto” (art. 1º, § 12), o que não é nada simples, dada a dificuldade de determinar a remuneração concernente a cada produto ou serviço.

Foram vetados, com razão, os dispositivos relativos ao Imposto de Renda e à Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL. Trata-se de tributos diretos, cuja incidência não influi, em princípio, na formação dos preços de venda e cujo ônus econômico é suportado pelo próprio sujeito passivo (vendedor).
De acordo com a doutrina e a jurisprudência predominantes, os tributos que incidem sobre a receita (Cofins e PIS/Pasep) também se qualificam como diretos, não repercutindo no consumidor final. No entanto, afigura-se acertada a sua inclusão. Essas contribuições, sem dúvida alguma, são levadas em conta na formação dos preços de venda e, por tal razão, viabilizam a repercussão do seu ônus econômico ao consumidor final.

A inobservância dos ditames da Lei da Transparência Tributária sujeita o infrator às sanções estabelecidas no Código de Defesa do Consumidor, previstas no capítulo dedicado às “sanções administrativas” (art. 5º da Lei 12.741/2012). A remissão é temerária, pois se trata de sanções demasiado abertas, variadas e severas, que outorgam expressiva discricionariedade às autoridades administrativas, inclusive para interditar estabelecimentos e atividades (art. 56 do CDC). Melhor teria sido simplesmente estipular sanções pecuniárias no bojo da novel lei.

A despeito das suas imperfeições, a Lei da Transparência Tributária representa um notável avanço institucional. A conscientização da população brasileira é fundamental para a construção de uma República efetivamente democrática, em que os eleitores tenham plena ciência da repercussão das decisões tomadas pelos seus representantes. Somente assim poderão exigir a construção de um sistema tributário simples, coerente e justo, que não onere os cidadãos carentes e não seja regressivo, gravando os contribuintes menos abastados de modo (proporcionalmente) mais severo que os mais favorecidos economicamente. Somente assim poderão exigir a construção de um sistema tributário diverso do atual.


(*) ANDREI PITTEN VELLOSO
Juiz Federal na 4ª Região, designado para atuar como juiz auxiliar do STF. Doutor em Direitos e Garantias do Contribuinte pela Universidade de Salamanca (Espanha), Mestre em Direito Tributário pela UFRGS . Professor da Especialização em Direito Tributário da PUC/RS-IET e da Escola Superior da Magistratura Federal – ESMAFE

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