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Lei de Acesso à Informação e remuneração dos servidores

24 de maio de 2012 - 09:19

Autor: Roberto Piscitelli  – Economista, conselheiro do Conselho Federal de Economia (Cofecon) e servidor público. Correio Braziliense – 24/05/2012

Com várias décadas de atraso, foi aprovada a Lei de Acesso à Informação, que, a bem da verdade, nem deveria ser uma lei. De qualquer modo, é justa a expectativa de que se mude a cultura secular em que cada órgão e entidade da Administração constitui inexpugnável caixa-preta.

A pretexto ou não dessa lei, agentes políticos e dirigentes públicos se apressam em determinar a mais ampla divulgação da remuneração e demais informações pessoais de cada servidor. Criou-se mesmo certo clima de histeria, como se, finalmente, os “vilões” da República pudessem ser expostos à execração pública.

É possível que muita gente não saiba que a vida dos servidores já é há muito tempo devassada. Somos obrigados a apresentar pelo menos anualmente cópia integral (numa interpretação equivocada da legislação de 1993) de nossas declarações de rendimentos ou a autorizar a quebra de nosso sigilo fiscal, não só perante a Receita, mas também os diversos órgãos de controle e a uma porção de burocratas bisbilhoteiros lotados nos órgãos de pessoal de nossas repartições.

Nossos vencimentos e vantagens são divulgados nos editais de concursos públicos e nas tabelas divulgadas regularmente no Diário Oficial. Aliás, o ingresso no serviço público para os que estão dispostos ou em condições de se submeter às verdadeiras maratonas em que se transformaram os concursos públicos ainda é um dos processos mais democráticos em uma sociedade de ricos e pobres, para quem estudou em escola pública ou com ensino gratuito, independentemente de raça ou cor.

É também provável que poucos saibam que o salário líquido corresponde a algo em torno de 60% do salário bruto para as faixas de remuneração mais elevada. A anunciada publicação da identidade e o detalhamento (essa é a grande questão!) da remuneração individual não é, decididamente, prova de transparência, mas de invasão da privacidade. De agora em diante, não haverá mais sigilo fiscal para os servidores públicos que, certamente, se sentirão absolutamente seguros em um país dominado pela criminalidade e pela impunidade.

Mas não é só isso. Imaginem o constrangimento de cada um de nós diante dos familiares, dos vizinhos, dos empregados. Mais: imaginem os erros frequentes, comuns nas circunstâncias, provocarão situações absurdas com a divulgação desse tipo de dados, em particular quando houver rendimentos recebidos acumuladamente ou resultantes de disputas administrativas ou judiciais, até mesmo em razão de férias, 13º salário e tantas outras situações fora da normalidade. Sem dúvida, acabou-se de criar o melhor cadastro positivo para o planejamento das  organizações de sequestros relâmpagos ou prolongados: excelente relação custo-benefício.

Pode ser, até, que, com a divulgação desses dados, a população possa saber que muitos figurões da República não dependem apenas das remunerações explícitas, constantes dos contracheques do órgão ou entidade onde trabalhem. Apesar das dificuldades para estimar os salários ou benefícios indiretos, quem sabe se poderá ter conhecimento dos ganhos com representações e participação em órgãos colegiados, do setor público e privado.

Quem dera que se pudesse aproveitar a oportunidade para divulgar os valores que a administração paga aos seus muitos fornecedores e prestadores de serviços, pessoas físicas e jurídicas, e a inúmeras organizações, de fins lucrativos ou não, mediante as mais diferentes modalidades.

Quem sabe, enfim, não seja esta a ocasião para publicar os nomes, endereços, CPFs/CNPJs dos devedores de tributos e dos caloteiros dos bancos públicos. Afinal, se é obrigatória a divulgação da remuneração dos que são credores da administração, pelos serviços prestados, com muito mais razão a população deveria saber quem são os devedores e beneficiários de recursos que são pagos pelos cofres públicos ou que deixam de ser pagos aos cofres públicos, mas que são devidos pelos demais contribuintes e pelos cidadãos em geral.
 
 

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