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Mordomias pelos céus do Brasil

25 de novembro de 2013 - 11:24

Enquanto passageiros comuns enfrentam filas para embarcar e levantar voo nos principais aeroportos brasileiros, comem lanchinhos básicos servidos pelas companhias aéreas e aguardam pacientemente para pegar as malas despachadas, alguns ministros têm à disposição um cardápio completo e sofisticado quando se deslocam em aviões da Força Aérea Brasileira (FAB). E ainda contam com serviços de apoio integral na hora do embarque e do desembarque. O dinheiro público banca essa conta, que não é barata. Apenas no contrato que o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) mantém com uma empresa fornecedora que presta serviços para pelo menos outras 12 pastas, além do Departamento de Polícia Federal, o valor desembolsado ultrapassa R$ 1,4 milhão este ano. No total, a RA Catering recebeu R$ 1,7 milhão do governo em 2013.

Os contratos assinados pelos órgãos federais deixam claro a missão da empresa: prestar serviços de comissária aérea, visando o fornecimento de refeições e lanches para o serviço de alimentação a bordo de aeronaves que conduzirem os ministros e suas comitivas em deslocamentos oficiais. Para isso, oferecem um menu sofisticado, digno de uma bela noite de jantar em solo: caviar, carne de coelho assada, pato, lagosta, camarão, picanha e até rã.

Os valores são salgados e não tiveram chance de ser reduzidos, pois a empresa não passa por licitação quando é contratada pelo Estado. Isso acontece porque, na versão oficial, trata-se de fornecedor exclusivo. A Inframerica, operadora do aeroporto de Brasília, tem uma declaração que informa que a “RA Catering é, atualmente, a única empresa especializada que comercializa e presta serviços de catering (fornecimento de equipamentos específicos ao acondicionamento e transporte de alimentos, além de carga e descarga desses mesmos utensílios) para as companhias que operam neste aeroporto”.

Bebidas
Os preços altos também podem ser verificados com as bebidas oferecidas aos ministros e principais assessores. Uma coca-cola lata, por exemplo, de acordo com o contrato, tem o valor de R$ 3,37. Em supermercados tradicionais, é possível encontrar facilmente o mesmo produto por R$ 1,79, quase a metade do custo. O mesmo ocorre com o guaraná em lata, o Gatorade e a água tônica, cobrados com valores superiores no ar do que em terra.

Para Gil Castello Branco, secretário-geral da ONG contas abertas, o cardápio contratado pelos ministérios beira o absurdo. “Em determinados voos, os passageiros comuns só conseguem água. Talvez a FAB devesse inaugurar um serviço de vendas a bordo”, comentou.

Segundo ele, as autoridades brasileiras deveriam voar em avião de carreira, até para conhecer as dificuldades que os passageiros comuns passam nos aeroportos. “Em princípio, acho que os aviões da FAB deveriam ser utilizados para proteger o território nacional. Até admitiria que a presidente da República pudesse votar em uma aeronave exclusiva. Mas as demais autoridades, não”, avalia.

Alguns órgãos da Presidência da República e o Ministério das Relações Exteriores incluem ainda a contratação de serviços de embarque e desembarque completos, chamados de handling. Quando se trata de carregamento de equipamentos, por exemplo, o custo unitário do trabalho chega a R$ 821,03.

Procurada, a RA Catering, administrada pela Internationation Meal Company, informou que não se manifestaria, pois está “em período de silêncio” devido a um balanço financeiro trimestral que será divulgado nos próximos dias. A empresa afirmou que sua sede fica em São Paulo, com filiais nos aeroportos internacionais de Brasília, Belo Horizonte, Porto Alegre, Rio de Janeiro, Goiânia, Campinas e Recife. Na capital federal, a entidade dispõe de serviços de comissária e varejo — o restaurante Viena.

Menu sofisticado
Confira o cardápio de bordo que ministros têm à disposição em voos com avião da FAB*:

Comida    Preço previsto 
    no contrato
Almoço e jantar “PR especial¹” (unidade)    R$ 147,20
Camarão ao alho e óleo (quilo)     R$ 128,00
Canapé de camarão (unidade)    R$ 4,80
Canapé de caviar (unidade)    R$ 7,04
Canapé de salmão defumado (unidade)    R$ 4,80
Coelho assado (quilo)     R$ 71,21
Costeleta de cordeiro (quilo)       R$ 154,67
Escondidinho de lagosta (quilo)    R$ 170,67
Filé de peixe grelhado (1ª qualidade, quilo)    R$ 117,87
Lagosta gratinada (quilo)    R$ 184,11
Lombo de bacalhau ao forno  (quilo)     R$ 196,27
Pato a caçadora (quilo)    R$ 71,47
Picanha maturada assada fatiada (quilo)    R$ 73,60
Queijo feta (quilo)    R$93,26
Rã (quilo)    R$ 55,47
Sorvete Haagen Dazs (pote 473 gramas)     R$ 44,84

Bebida    Preço previsto

Preço comparável
    no contrato    em supermercados
        tradicionais
Água tônica lata    R$ 3,37    R$ 1,89
Coca-cola lata    R$ 3,37    R$ 1,79
Guaraná lata     R$ 3,37    R$ 1,59
Gatorade    R$ 4,84    R$ 3,20
Há também chá, café, iogurte, suco, entre outras

Não há detalhes sobre o prato

*Cardápio previsto no contrato de órgãos da Presidência da República e dos ministérios da Fazenda e das Relações Exteriores (todo ou parte dele). Outras pastas, como a do Meio Ambiente, Integração Nacional, Saúde, Justiça, Desenvolvimento, Defesa, Planejamento, Transportes e Direitos Humanos, Advocacia-Geral da União e Polícia Federal, têm apenas parte dos itens listados.

Caviar? Nunca vi nem ouvi…

Procurados, boa parte dos ministérios demonstrou preocupação em negar que as principais autoridades das pastas comam o canapé de caviar previsto nos contratos de serviço de bordo. O Ministério das Relações Exteriores (MRE), por exemplo, por meio da assessoria de comunicação, afirmou que “na relação de itens e preços você verá itens que nunca foram solicitados pelo MRE”. Para provar, a assessoria encaminhou cópias de notas fiscais dos itens pedidos pelo Itamaraty.

Atitude semelhante teve o Ministério dos Transportes. A assessoria de comunicação do órgão encaminhou a lista de itens solicitados em cada voo que fez o ministro César Borges em avião da FAB, desde abril deste ano. A assessoria negou que o chefe da pasta tenha pedido caviar, apesar de a iguaria constar no contrato.

Despesas
Outras pastas também encaminharam cópias das faturas à reportagem. Mas o Gabinete de Segurança Institucional se recusou a informar os itens consumidos pelas autoridades. A assessoria do órgão afirmou apenas que a prestação de serviços de comissária aérea atendem a Presidência da República. Segundo o GSI, as despesas devem chegar a R$ 1,9 milhão este ano.

Já a Advocacia-Geral da União, na contramão dos pacotes mais sofisticados, informou que consta em seu contrato somente itens como café da manhã, água, refrigerante, suco, gelo e guardanapo. A assessoria da instituição não lista qualquer comida de forma individual no contrato que fechou com a RA Catering.

Fonte: Correio Braziliense

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