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MPF descobre esquema de superfaturamento de bens doados para pagar dívida com União na Procuradoria Geral da Fazenda Nacional

03 de outubro de 2011 - 10:20

Funcionários da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional usam estantes de R$ 3.612 que tem valor real de R$ 426. Escrevem e despacham em mesas de R$ 1.405, mas que podem ser compradas por R$ 343,38. Também picotam papel numa máquina de R$ 58 mil. Mais grave: servidores da seccional do órgão em Piracicaba, no interior de São Paulo, trabalham em um prédio incorporado ao patrimônio público com ágio de R$ 5 milhões. Isso só acontece por causa de um artifício que permite o pagamento de dívidas de empresas com a União por meio de doação de bens.

O superfaturamento foi constatado pelo Ministério Público Federal (MPF), que na última sexta-feira entrou com ação de improbidade administrativa contra a empresa que fez a doação dos bens, a Dedini, especializada na construção de usinas de cana-de-açúcar, e contra o ex-procurador seccional da Fazenda Nacional Edson Feliciano da Silva, que aceitou as incorporações.

Uma auditoria realizada pela Controladoria Geral da União (CGU) permitiu a comparação de preços com base em valores do portal de compras do governo federal, o Compras Net. O prejuízo aos cofres públicos chega a R$ 8 milhões. O MPF também investiga as doações de bens realizadas por uma outra empresa, a Painco. As incorporações nesse caso teriam acusado um prejuízo de R$ 4 milhões e também foram autorizadas pelo procurador Silva. No período de cinco anos, as entregas de bens aprovadas por Silva chegaram a R$ 29,8 milhões.

Não se sabe qual a frequência da utilização da prática de incorporar bens para abater dívidas a nível nacional, que leva o nome técnico de adjudicação. A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), responsável pela cobrança dos créditos tributários e não-tributários da União, não possui um levantamento do valor recebido por doações nos últimos anos. A CGU informou que está realizando outras auditorias que ainda não foram concluídas. O órgão afirma ainda ter recebido informações da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional de que o recebimento de bens para abater dívidas está suspenso enquanto não houver regulamentação adequada do tema.

– O procurador da Fazenda ganha muito poder quando pode fazer as adjudicações. Como ele pode decidir sozinho como será gasto o dinheiro da União? Isso é agir na ilegalidade – diz a procuradora Heloisa Martins Fontes Barreto, do Ministério Público Federal em Piracicaba, responsável pela ação contra Dedini.

No caso, além de superfaturamento de até 1.085 % de bens doados, o Ministério Público Federal concluiu, com base na auditoria por amostra do CGU, que 10% dos bens doados não foram localizados.

– Se a empresa comprou, entregou e a União não acha, significa que alguém levou para casa – afirma a procuradora.

As incorporações dos bens em Piracicaba eram realizadas seguindo um mesmo padrão, segundo a investigação do MPF. Executada judicialmente pelo não pagamento de dívidas, a Dedini oferecia penhora de um percentual de seu faturamento e, posteriormente, comprava bens e os apresentava para substituir a penhora. O procurador da Fazenda aceitava o bem sem exigir nenhuma avaliação oficial.

– Se o devedor tem dinheiro para comprar bens, que entregue o dinheiro. É óbvio que terá deságio nesta dívida – avalia a procuradora.

O caso mais escandaloso, para o MPF, é o da compra do imóvel em que funciona a sede da Procuradoria da Fazenda na cidade. Um inquérito policial chegou a ser instaurado para apurar a transação. Em seu depoimento, o então procurador secional, Edson Feliciano da Silva, contou que, para melhorar as instalações do órgão, consultou se algum dos grandes devedores da região tinha interesse em reformar o prédio vizinho da antiga sede. A Dedini se interessou e comprou o imóvel por R$ 810 mil, segundo registro em cartório. Depois de reformar o local, doou para a União por R$ 8,2 milhões. Uma avaliação da Superintendência do Patrimônio da União (SPU), realizada a pedido do MPF, concluiu que o imóvel não vale mais que R$ 3,2 milhões.

– Não vejo nada de ilegal na doação de bens desde que ocorra avaliação por um órgão insuspeito – afirmou o tributarista Ives Grande Martins, falando em tese.

Na ação, o Ministério Público pede a perda do cargo do procurador Silva e devolução à União de quantia equivalente ao prejuízo. Questionada, a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional informou que não se manifestaria sobre o caso. A Dedini disse que não havia tomado conhecimento da ação, mas disse estar certa de sua idoneidade. A Painco respondeu que jamais causou prejuízo para os cofres públicos e que os seus bens doados para bater dívidas foram requeridos pela própria União. O procurador Silva, que não é mais responsável pela seccional da PGFN em Piracicaba, não foi localizado. Na sede do órgão, a informação era que ele estava de licença médica.

Fonte: O Globo – 03/10/2011

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