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No semiárido brasileiro, acesso à água ainda é moeda eleitoral

23 de agosto de 2012 - 09:46

Com o início do segundo semestre de 2012, gradualmente as atenções passam a se concentrar nas eleições para prefeito e vereador em todo o Brasil. No entanto, não são planos de governo e propostas de melhoria de serviços públicos que podem determinar os rumos dos pleitos em mais de mil municípios brasileiros, mas sim um elemento inusitado: a seca. Castigados pela pior estiagem dos últimos 30 anos, muitos dos 1.133 municípios do semiárido brasileiro ainda vivem um problema crônico de abastecimento de água, que muitas vezes é usado como moeda eleitoral.

Moradores do semiárido do Pauí vão buscar água com baldes em regiões distantes. Foto: FTP

Para evitar o círculo vicioso em que má gestão pública gera seca e vice-versa, a Articulação do Semiárido (ASA) lançou a campanha ‘Não troque seu voto por água. Água é direito seu’. Formada por cerca de mil organizações da sociedade civil que atuam na gestão e no desenvolvimento de políticas para o semiárido, a ASA já visitou mais de 1100 municípios do semiárido e convocou as organizações locais para fiscalizar e denunciar os abusos no uso eleitoreiro da água nas eleições municipais 2012.

“O poder político foi mantido por muito tempo através de medidas assistenciais urgentes contra a seca, que são entendidas como uma bondade e não como um direito”, afirma Naidson Baptista Quintella, coordenador executivo da Articulação no Semiárido (ASA), na Bahia. “Esse tipo de política gera gratidão e um cabrestamento político”, conta.

Atualmente, os municípios do Nordeste e de Minas Gerais possuem 1533 cidades em situação de emergência, segundo a Secretaria Nacional de Defesa Civil. Ao todo, o País tem 2442 municípios em situação de emergência e 3 em estado de calamidade pública.

Indústria da Seca

O quadro denunciado pela ASA revela uma chantagem política comum dos tempos do coronelismo. Muitos políticos, segundo a entidade, aproveitam as medidas de emergência e socorro às vítimas da estiagem – como carros-pipa, distribuição de alimentos e de sementes – para comprarem votos e manterem-se no poder.

Mesmo barrenta, água tem valor de ouro no sertão piauiense. Foto: FTP

“As secas sempre foram uma oportunidade para alguns enriquecerem ou se elegerem às custas da fome, sede e miséria de outros”, afirma Quintella. Exemplo disso é o estado do Piauí, que teve 54 prefeitos cassados por irregularidades nos últimos quatro anos e já recebeu, neste ano, 31 denúncias de irregularidades eleitorais, segundo o Comitê de Corrupção Eleitoral do Piauí.

No entanto, ao contrário do que se imagina, muitas vezes, o problema não diz respeito à falta de água, mas sim à sua distribuição. “É um quadro surrealista. Temos um monte de água cercada de seca”, diz o coordenador da Força Tarefa Popular (FTP) do Piauí, Arimateia Dantas.

Segundo ele, o Piauí não sofre com falta de água represada, mas sim com as obras das adutoras que andam a passos lentos. “A estrada da política no semiárido sempre foi a concentração. As grandes obras sempre beneficiaram os coronéis e raramente chegam às comunidades carentes”, reforça o coordenador da ASA, Naidson Quintella.

Para Dantas, da FTP, quanto mais longe o cidadão está da água, mais fragilizado fica.”Uma moradora do município de Francisco Macedo, no Piauí, vizinho à barragem de Estreito, disse que perdeu as esperanças quando a caixa d’água chegou à porta de sua casa, há um ano, mas a água não chegou até hoje”, revela.

Enquanto isso, grande parte das cidades que a Força Tarefa Popular percorreu continua dependente de carros-pipas e cestas-básicas distribuídas pelo governo. “Vimos muitos carros-pipas circulando pelas cidades e quando perguntamos sobre a paralisação das obras muitos moradores não sabiam explicar”, conta Arimateia Dantas. “Além disso, obras do governo federal são vistas como obra do prefeito ‘X’, ou seja, uma distorção”, completa. Apenas este ano, o governo federal já investiu 15,6 bilhões de reais em ações de combate à seca no Nordeste.

Solução

Uma das iniciativas da campanha ‘Não troque seu voto por água’ é mostrar que políticas assistencialistas e periódicas, como distribuição de cestas básicas e carros-pipas, não resolvem o problema. Segundo Naidson Quintella, da ASA, somente a construção de cisternas e adutoras, somadas às linhas de crédito e programas do governo federal, como a Bolsa Família e a Bolsa Estiagem, podem resolver o problema da seca no semiárido.

No entanto, Arimateia Dantas não é tão otimista. Para o líder da FTP do Piauí, não há interesse político para que o problema seja resolvido com celeridade. “Isso não é um castigo de Deus, é um castigo nosso mesmo”, lamenta.

Desde 1999, a Lei de Combate à Corrupção Eleitoral configura como crime o oferecimento de benefícios em troca de água. “A situação não está como era há 30 anos, melhorou bastante por sinal. Mas temos que agir para evitar que esses coronéis retornem”, conclui Quintella.

Fonte: Carta Capital

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