O Itaú denunciou um pedido de propina e uma pessoa foi presa. Por que isso é raro.
Um conselheiro do Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais), órgão vinculado ao Ministério da Fazenda que julga casos tributários em âmbito administrativo, antes do Judiciário, procurou o Itaú no início de junho e pediu propina de R$ 1,5 milhão em troca de favorecimento em decisão de interesse do banco.
O banco denunciou a abordagem à Polícia Federal, prosseguiu na negociação com o acompanhamento dos investigadores por cerca de um mês e o conselheiro, João Carlos de Figueiredo Neto, acabou preso em flagrante em 6 de julho.
Algo de diferente ocorreu neste episódio: a denúncia partiu da própria empresa que se viu no alvo de uma proposta de corrupção. Nos casos da Operação Lava Jato, as firmas investigadas, entre as quais as maiores empreiteiras do país, recebiam pedidos de propina e aceitavam pagar em troca de favorecimento em contratos públicos.
Amadurecimento tardio
Os mecanismos de estímulo a uma cultura corporativa que denuncie abordagens corruptas ainda são recentes.
A lei que estabelece punições severas para companhias corruptas, de até 20% do faturamento bruto anual, entrou em vigor em 2014. O decreto que define detalhes de sua aplicação é de março de 2015. Nos Estados Unidos, país reconhecido como referência no combate à corrupção, a lei é de 1977.
Além disso, a perspectiva de empresários poderosos irem para a cadeia e de companhias pegas em malfeitos enfrentarem prejuízos milionários também é nova no Brasil. A Operação Lava Jato, que prendeu presidentes e diretores das maiores empreiteiras do país, é o marco.
A advogada Nicole Dyskant, especialista em “compliance” (termo inglês que significa obediência às leis e adoção de boas práticas por empresas e o poder público), afirma que as empresas brasileiras estão passando por um gradual “amadurecimento”.
“Tanto as operações feitas pela Polícia Federal, que provocaram um choque de realidade, quanto a base normativa mais forte trouxeram um temor às empresas. Agora elas estão correndo atrás”
Nicole Dyskant
Advogada especialista em compliance
O papel da Lei Anticorrupção
O dispositivo estabelece multas altas para companhias que forem flagradas cometendo atos de corrupção, como suborno a servidores públicos, aplicadas mesmo que o diretor ou presidente não tenham conhecimento da fraude.
Na outra ponta, a lei criou um mecanismo para estimular as firmas a adotarem práticas internas anticorrupção: as que tiverem estruturas próprias de “compliance” para estimular boas práticas dos funcionários, como código de ética, treinamentos periódicos e canal para receber denúncias, podem ter sua punição reduzida.
Dyskant relata ter percebido uma “mudança substancial” nas empresas em relação ao tema no último ano. Ela aposta que casos como o do Itaú, em que a companhia denuncia pedidos de propina às autoridades, se tornarão mais frequentes.
Desempenho das empresas
Nicole Verillo, consultora para o Brasil da ONG Transparência Internacional, afirma que o comportamento adotado pelo Itaú ainda é um caso raro. “Isso está mudando, mas ainda há muita resistência”, diz. Ela afirma que a pressão da sociedade civil no combate à corrupção pode ter influenciado a decisão do banco.
A Transparência Internacional divulgou em 11 de julho um relatório que mede o desempenho de grandes empresas de países em desenvolvimento em relação a transparência e práticas anticorrupção. Doze firmas brasileiras foram analisadas, e o nível de seus controles se mostrou precário, diz Verillo.
“O Brasil têm empresas fortes, mas a transparência ainda é patética. Todos os grandes escândalos de corrupção – Zelotes, Lava Jato, Panama Papers – têm em comum o envolvimento de grandes companhias”
Nicole Verillo
Consultora da Transparência Internacional
As 12 empresas brasileiras analisadas tiveram uma nota média de 5,5 no tocante aos seus programas anticorrupção. Esse item avalia 13 pontos diferentes, como proibição de pagamentos por facilitação de negócios, treinamento anticorrupção, tolerância zero com propinas e política sobre presentes inadequados. O Itaú e a Petrobras foram analisados em outro relatório, de 2014, com a mesma metodologia:
NOTA DOS PROGRAMAS ANTICORRUPÇÃO
NOTA DOS PROGRAMAS ANTICORRUPÇÃO
O caso Odebrecht
No relatório de 2016 da Transparência Internacional, a Odebrecht é a segunda melhor empresa brasileira no quesito política anticorrupção, com nota 7,7.
Isso apesar de seu ex-presidente e herdeiro, Marcelo Odebrecht, estar preso desde junho de 2015 e ter sido condenado em primeira instância a 19 anos e 4 meses de prisão por corrupção, lavagem de dinheiro e associação criminosa no âmbito da Lava Jato.
Três anos antes, a Transparência Internacional havia dado nota zero para a Odebrecht no quesito. Nesse meio tempo, após a deflagração da Lava Jato, a companhia estabeleceu políticas anticorrupção rigorosas e teve nota máxima em nove dos 13 itens analisados, diz Verillo. Ela ressalva que o índice mede a transparência e a amplitude dos programas anticorrupção de cada empresa, e não sua efetiva aplicação.
A situação está mudando?
Dois levantamentos feitos pela consultoria Deloitte, um em 2013 e outro em 2015, mostram uma diferença sensível nas estruturas adotadas por empresas brasileiras para assegurar boas práticas.
No período, o percentual de empresas consultadas que adotam programas internos de “compliance”, políticas anticorrupção, canal de denúncias e código de ética aumentou:
PRÁTICAS INTERNAS
PRÁTICAS INTERNAS
Em nota, o Itaú disse ter sido “vítima” de conduta inadequada do conselheiro do Carf. “Dados os princípios éticos e de transparência que norteiam nossa atuação, voluntariamente reportamos os fatos às autoridades competentes, que passaram a monitorar as atividades do Conselheiro, culminando em sua prisão no dia de ontem [6 de julho]. Com essa atitude, esperamos ter contribuído com a identificação de conduta contrária à ética e à lei”. O Carf é alvo de uma CPI no Congresso.