O que o povo pede nas ruas… e como o Congresso trata tudo isso

Os protestos que se espalharam pelo Brasil são uma novidade no cenário nacional, mas os principais temas abordados nas manifestações são velhos conhecidos do Congresso. Levantamento sobre as reivindicações das ruas mostra como propostas consideradas fundamentais pela sociedade são “empurradas com a barriga” pelos parlamentares. E como a pressão popular pode surtir efeito quase imediato no andamento desses projetos – caso da PEC 37, que limita o poder de investigação do Ministério Público. “Quando há mobilização, há resultado”, diz Antonio Octávio Cintra, doutor em Ciência Política pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts.

 

Pressão adia votação da PEC 37: A discussão em torno da proposta de emenda à Constituição (PEC) n.º 37 é um episódio à parte entre as bandeiras das manifestações. A campanha contrária ao projeto, que restringe o poder de investigação do Ministério Público (MP), é um dos exemplos de como a população pode pressionar os congressistas na votação de temas polêmicos. Nesse caso, a demanda é pela rejeição ou pelo arquivamento do projeto. Por enquanto, surtiu efeito. A votação, programada para a próxima quarta- feira, foi temporariamente suspensa pelo presidente da Câmara, Henrique Alves (PMDB-RN). A PEC atribui exclusivamente às polícias Federal e Civil a competência para a investigação criminal. Historicamente, o MP é responsável por uma série de investigações de casos de corrupção, como os desvios cometidos na Assembleia Legislativa do Paraná retratados em 2010 pela série de reportagens Diários Secretos, da Gazeta do Povo e RPC TV.

Desoneração da passagem de ônibus espera há dez anos: O preço da tarifa dos ônibus e a falta de qualidade do transporte público brasileiro foram o estopim das manifestações pelo Brasil. No auge do debate em São Paulo, o prefeito Fernando Haddad (PT) disse que a tarifa na cidade cairia 7% imediatamente caso o Senado aprovasse o Projeto de Lei 310/2009, que desonera itens do sistema de transporte atingidos pela cobrança de ICMS, como pneus e diesel. A proposta salvadora, no entanto, completa dez anos de tramitação em setembro. Foram seis anos de debates na Câmara, mais quase quatro no Senado. Após a pressão popular, a tendência é que ela seja votada nos próximos dias. A demora envolvendo projetos sobre ônibus é comum. Pelo menos 15 propostas que tratam do transporte coletivo urbano estão prontas para serem votadas em plenário pelos deputados federais. A mais velha é de 1996: o Projeto de Lei 2.534, do ex-deputado Serafim Venzon (PDT-SC), permite que gestantes não sejam obrigadas a passar por catracas.

Plano de educação está atrasado: É uma das musiquinhas preferidas dos manifestantes em todo o país: Copa do Mundo, eu abro mão, quero dinheiro para saúde e educação. Foram necessários, contudo, 18 meses de negociação para que a base governista aceitasse vincular no Plano Nacional de Educação (PNE) a aplicação do valor equivalente a 10% do Produto Interno Bruto (PIB) do país aos gastos públicos com o setor. O PNE traça as principais metas da educação brasileira em um período de dez anos (2011-2020). Quase três anos depois do que deveria ser o começo da vigência da proposta, a tramitação não foi encerrada – precisa passar pela Comissão de Constituição e Justiça e pelo plenário do Senado. Outra matéria simbólica para o setor é o Projeto de Lei 5.500/2013, que destina os royalties de petróleo para a educação. O texto encaminhado pela presidente Dilma Rousseff em maio é a terceira tentativa de aprovar a mudança, barrada por deputados por pressão de prefeitos que não querem engessar seus orçamentos com educação.

160 projetos anticorrupção na fila: Levantamento da Frente Parla­­mentar de Combate à Corrupção mostra que tramitam cerca de 160 propostas sobre o tema atualmente no Congresso Nacional. Dessas, pelo menos 30 estão prontas para serem votadas em plenário. Na fila está o Projeto de Lei 3.760/2004, do deputado federal Wilson Santos (PSDB-MT), que transforma as práticas de peculato (apropriação de verba ou bens públicos), concussão (quando o agente público usa o cargo para exigir vantagens) e corrupção ativa e passiva em crime hediondo. O texto tramita juntamente com uma proposta similar enviada pelo então presidente Lula ao Legislativo em 2009.

Reforma política, a eterna promessa: Entra ano, sai ano e o discurso no Congresso é o mesmo: agora a reforma política vai para frente. Mas há duas décadas o tema não avança. Enquanto isso, surgiu uma crise de representação política, a ponto de os protestos nas ruas estarem sendo marcados por uma forte rejeição aos partidos. A última tentativa de mudar o sistema político de forma mais contundente começou em 2011. Comissões foram montadas no Senado e na Câmara para debater mudanças. Os senadores fragmentaram a reforma em uma série de projetos, enquanto a Câmara ainda não sabe o que vai votar. A discussão empaca em interesses dos próprios parlamentares, que controlam o atual modelo eleitoral. Após os protestos, parlamentares passaram a defender a convocação de uma Constituinte exclusiva para fazer a reforma política. Fora do Legislativo, o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral articula uma reforma via lei de iniciativa popular.

Mordomias: corta aqui, ganha ali: Um dos temas mais comuns nos cartazes de manifestantes é a rejeição às mordomias dos políticos – dos gastos da presidente Dilma Rousseff em viagens aos salários e benesses dos parlamentares. Em fevereiro, o Congresso acabou com o pagamento do 14.º e 15.º salários dos parlamentares, em um gesto de aproximação com os anseios da população. A economia será de R$ 31,7 milhões ao ano. Meses antes da aprovação do corte dos salários extras, no entanto, a Câmara aumentou em 30% os gastos com verba de gabinete para a contratação de até 25 funcionários – de R$ 60 mil para R$ 78 mil. Sozinha, a mudança tem um impacto de R$ 111 milhões ao ano.

Fiscalização da Copa tem falhas: Logo na estreia, a Copa das Confederações foi marcada por protestos em Brasília. O movimento Copa Pra Quem? questiona os gastos públicos em estádios, como o R$ 1,2 bilhão aplicado na construção da Arena Mané Garrincha, no Distrito Federal. O Congresso, apesar de não ter autonomia direta sobre a execução das despesas de municípios e estados, tem força fiscalizadora, já que quase todas as obras contam com recursos federais emprestados pelo BNDES. Uma subcomissão do Senado foi montada especificamente para isso. Além disso, também passou pelo Legislativo a Lei Geral da Copa, que abriu uma série de brechas normativas solicitadas pela Fifa para a realização do Mundial no Brasil, como a liberação da venda de cerveja nos estádios.

R$ 31 bi a menos na saúde: A última grande discussão sobre o financiamento da saúde no Congresso ocorreu em 2011, durante a votação do projeto de regulamentação da Emenda 29, que define os porcentuais mínimos de gastos em saúde da União, estados e municípios. Era para ser uma revolução no setor. Ficou no quase. O texto original previa que os municípios deveriam aplicar 15% da arrecadação na área, os estados 12% e a União 10%. A bancada governista, contudo, conseguiu derrubar a regra dos 10% para a União, que ficou obrigada apenas a investir o montante aplicado no ano anterior mais a variação do Produto Interno Bruto (PIB). Pelos cálculos da época, a mudança tirou R$ 31 bilhões da saúde.

Unificação, o tabu policial: Os excessos da PM no começo das manifestações em São Paulo tiveram efeito catalisador nos protestos pelo país. Imediatamente, entrou em pauta a bandeira da reestruturação da segurança pública. Uma linha de estudiosos alega que a violência policial está ligada justamente ao caráter militar da PM, cuja orientação é defender o Estado e não o cidadão. Uma solução seria desmilitarizar o setor com a unificação das polícias, sob comando civil. A unificação é tratada pela PEC 102/2011, do senador Blairo Maggi (PR-MT), que desde o ano passado está parada no Senado. O antropólogo Luiz Eduardo Soares defende ainda desconstitucionalização da segurança para permitir que cada estado tenha autonomia para ditar regras próprias para o setor. Outro tema relevante para área é o financiamento da atividade. A PEC 300/2008, por exemplo, cria um piso nacional para os policiais.

Reforma tributária? Só a conta-gotas: A última grande reforma tributária do país ocorreu em 1966. De lá para cá, a falta de consenso na divisão do bolo de impostos impede mudanças maiores. Há dez anos, Câmara e Senado discutem versões de um projeto que simplifique o sistema. Mas as propostas não saem do papel. Por conta própria, sem consultar o Congresso, a presidente Dilma Rousseff promoveu uma série de desonerações fiscais. Chegou ainda a patrocinar uma proposta de reforma do ICMS, mas desistiu por falta de acordo no Senado. A ideia era unificar as alíquotas dos estados para acabar com a guerra fiscal.

Fonte: Gazeta do Povo