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Os Fichas Sujas e os direitos fundamentais

29 de janeiro de 2012 - 11:39

 Há uma discussão, na ordem do dia, que tem atraído as atenções de muitos e que assume um caráter fascinante, sob o ponto de vista jurídico-filosófico.

De um lado, encontram-se os que defendem a inaplicabilidade chamada Lei da Ficha Limpa, porquanto estaria a colidir com o princípio da presunção da inocência – firmado no art. 5º, inciso LVII da Constituição Federal, inserido no Título dos Direitos Fundamentais — na medida em que este afirma que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.

De outro lado, encontram-se os que, como nós, defendemos a constitucionalidade da Lei afirmando que se trata, tão somente, de requisitos para candidatar-se e não de uma questão penal, entre outros argumentos.

A nós nos parece que a origem dos direitos fundamentais aponta para a necessidade de se defender o indivíduo da força opressora do Estado. Essa raiz remonta ao ano de 1215 quando uma revolta, na Inglaterra, culminou com a imposição dos revoltosos ao Rei, para que este assinasse o que se chamou de “Magna Carta”, onde já naquele tempo se consagrava o princípio da presunção da inocência.

Num dos dispositivos desse documento foi escrito que “nenhum homem livre será detido ou sujeito à prisão, ou privado dos seus bens, ou colocado fora da lei, ou exilado, ou de qualquer modo molestado, e nós não procederemos nem mandaremos proceder contra ele senão mediante um julgamento regular pelos seus pares ou de harmonia com a lei do país”.

Entretanto, a Lei da Ficha Limpa aponta para outra direção. Não cuida de defender o indivíduo contra a força opressora do Estado, mas sim, o Estado e o povo da sanha predatória de certas pessoas que vêem na coisa pública a possibilidade de se enriquecerem sem uma causa lícita.

Conforme mostrou uma reportagem veiculada na Revista Veja de 2/06/2010 (pag. 64), na Câmara dos Deputados, 39% dos deputados são acusados nos tribunais de cometer delitos graves. No Senado, a percentagem sobe para 42% dos parlamentares. Em Goiás, espantosos 71% dos deputados estaduais são réus em processos cabeludos.

O Poder Executivo também se encontra eivado de problemas idênticos. Inúmeros prefeitos e pré-candidatos ao posto apresentam folha corrida preocupante. Não inspiram confiança, como não a inspira, a possibilidade de “a raposa tomar conta da chave do galinheiro”.

Ora, se o regime adotado pelo Estado é o representativo. Se o povo deve eleger os seus representantes e outorgar-lhes mandatos, para em seu nome, exercer as atividades públicas, não se pode negar a esse mesmo povo o direito de escolher os seus representantes entre aqueles que, ao menos inspirem confiança por serem titulares de uma reputação ilibada.

Os comerciantes, as indústrias, os Bancos e outros, possuem meios de aferir a idoneidade das pessoas com quem contratam tais como Cadin, Serasa, certidões negativas de protestos, entre outros, que são registros de inidoneidade, para os quais não há necessidade de condenação judicial definitiva. Basta a existência do título, não pago, representativo da dívida.

Na hipótese em discussão os reais valores que estão em jogo não são os da presunção de inocência de cada um dos candidatos, individualmente considerados, mas sim, aqueles responsáveis pela própria preservação dos direitos fundamentais e sociais de todo um povo, que se efetivam pela prestação de serviços públicos de qualidade, mantidos pelos recursos públicos que são alvos dos predadores. Direitos esses cuja efetivação é fundamento do Estado brasileiro.

As chaves do aparelho do Estado responsável pela prestação dos serviços públicos, mantidos à custa de uma imensa carga tributária, não podem mais ser entregues aos lobos, predadores de um patrimônio que é de todos. Daí a importância da Lei da Ficha Limpa. Daí a necessidade de se estabelecer requisitos prévios aos candidatos. E, daí a constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa.

Autor: Julio da Costa Barros, Mestre em Direito pela PUCSP

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