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Os números, não tão bons, que estão por trás do 7º lugar conquistado por Marília no Índice FIRJAN

04 de janeiro de 2011 - 00:00

Há alguns meses os moradores de Marília vêm sendo bombardeados por uma campanha publicitária divulgada pela prefeitura da cidade que não esclarece toda a verdade sobre o assunto.

As propagandas apresentam o IFDM (Índice FIRJAN de Desenvolvimento Municipal), que coloca Marília em sétimo lugar do ranking  de desenvolvimento no Brasil.
 
Não que Marília não seja uma cidade com forte crescimento e com uma economia sólida, mas este “indicador”, de acordo com Antonio Luiz de Carvalho Leme, tecnologista em informações estatísticas e geográficas e gestor ambiental, “carrega, em seus vários componentes, números que deviam ser tratados com a mesma ênfase dada ao número síntese (7º lugar) e não escondidos, como têm sido, possivelmente por desconhecimento em função de uma leitura apressada.

Em seu blog recém lançado, Leme resgata estes números para mostrar aos cidadãos marilienses a verdade por traz desse sétimo lugar em desenvolvimento.

A seguir, reproduziremos o texto publicado por ele:

 
Jean-Louis Besson, em seu artigo  “A tentação do modo de usar” que faz parte do livro “ A Ilusão das Estatísticas”, editado pela UNESP, resume essa questão da seguinte forma:“As cifras não são nada, não valem nada sem um discurso que lhes atribua sentido. Este discurso normalmente é falacioso, sempre problemático”. É isso, a propaganda é falaciosa no momento em que não se sustenta em seus fatores condicionantes!

Além da necessidade de se olhar com um “microscópio” para melhor entender (e aceitar) essa posição (7º lugar), devemos tomar cuidado com o discurso da propaganda – aí sim enganosa. As matérias de página inteira nos meios de comunicação colocam uma frase da economista Sonia Rocha que pode levar – e leva, intencionalmente ou não – a uma leitura equivocada fazendo parecer que tal afirmação se refere ao município de Marília enquanto a afirmação é relativa aos indicadores nacionais e não especificadamente a este ou aquele município. A frase é a seguinte "estamos, desde 2004, num período de ouro. Aos indicadores sociais, que vinham melhorando de forma sustentada, se juntaram excelentes resultados em criação de postos de trabalho, nível e distribuição de renda e formalização do emprego." (ver a entrevista dentro do contexto em: http://www.iets.org.br/article.php3?id_article=1624)
 
Um exemplo do perigo de nos distanciarmos da realidade quando usamos a média é a hipotética distribuição de dois frangos assados entre duas pessoas famintas. Matematicamente o resultado “técnico” desta distribuição será a afirmação de quecada cidadão recebeu, equitativamente, um frango para acabar com sua fome e da sua família. Mas, esta resposta é uma resposta de escritório, de escrivaninha, pois a realidade pode ser bem diferente (e é) do que a média nos apresenta. Ao sairmos do escritório e nos dirigirmos à casa destes dois cidadãos podemos descobrir que, na realidade,  um deles ficou com dois frangos e o outro ficou com nenhum mas a média continua sendo um para cada pessoa, ou, ainda, podemos descobrir que nenhuns dos dois cidadãos tiveram acesso aos frangos assados e continuam, os dois, com fome – os frangos foram desviados. Hipotético… apenas para fins ilustrativos.

Ou seja, ao lermos as médias, índices, indicadores, etc., devemos nos debruçar sobre esses números tentando identificar sua metodologia, como foi calculada e “recuperarmos as várias realidades” que levaram a esta síntese. Para um correto diagnóstico devemos fazer o caminho contrário da síntese e verificarmos “as várias determinações” da realidade, estudando as suas componentes.Os números do IFDM apresentados a seguir podem ser vistos no banco de dados completo como também sua metodologia no site da FIRJAN em:http://www.firjan.org.br/data/pages/2C908CE9229431C90122A3B25FA534A2.htm.
 
No último dia do ano encontramos as seguintes informações constantes de declaração publicada no Jornal Correio Mariliense (31 de dezembro de 2010): “Marília está no terceiro lugar em educação” comenta. Na geração de emprego, o prefeito destaca que a cidade já ocupa uma das 10 primeiras posições, além de 5º lugar na saúde. Ele comenta que a intenção é ainda melhorar mais. “Já temos uma meta com todos os secretários de melhorar em todos os aspectos para que a cidade ocupe o 6º lugar”, fala.”.
 
Parece, até prova em contrário, que os números citados acima estão errados possivelmente resultado de mau assessoramento. Ou, existem duas fontes diferentes da mesma pesquisa – o que não acredito.
 
Vamos aos números publicados e disponíveis em planilhas no site citado acima. Estes dados demonstram um constante ganho de qualidade no Emprego e Educação, uma queda na Saúde mas nenhum deles confirma a declaração da prefeitura – menos o 7º do índice que é real, mas não esclarece o seu significado.
 

Série histórica dos anos 2000, 2005, 2006 e 2007 do lugar de Marília

nos rankings por área no Brasil (BR) e São Paulo (SP).

Ranking

 

IFDM BR e SP

Emprego BR

Educação BR

Saúde BR

2000

BR

66º

819º

455º

2000

SP

56º

Não consta

Não consta

Não consta

2005

BR

13º

148º

12º

293º

2005

SP

13º

Não consta

Não consta

Não consta

2006

BR

94º

47º

285º

2006

SP

Não consta

Não consta

Não consta

2007

BR

58º

41º

329º

2007

SP

29º

39º

69

Claro que nas áreas de Educação e Trabalho&Renda, as posições são ótimas, mas a posição da Saúde, deixa a desejar mesmo por que, perdeu pontos entre 2006 e 2007.

Quanto à variação das notas entre 2006 e 2007 (que são os anos aos quais os dados se referem) encontramos dados positivos e negativos. A variação diz respeito ao crescimento (ou queda) da nota de um ano para outro – dos anos  2006 para 2007 e dos anos 2000 para 2007.

Comparando 2006 para 2007 a variação nacional do IFDM foi de 1,4% enquanto a nota de Marília ficou abaixo com 0,6%.       A nota de Emprego &Renda nacional ficou estabilizada enquanto Marília teve um crescimento positivo de 0,9%. Na questão da Saúde, nota nacional teve um  crescimento de 1,7% enquanto a nota de Marília teve um crescimento de apenas 0,3%, portanto, bem abaixo da nacional.

A primeira aproximação dos vários componentes nos mostra uma realidade não tão boa. O índice é formado por “notas” de 3 grandes temas com pesos iguais – Emprego&Renda, Saúde e Educação. A série histórica destes temas eleva Marília ao sétimo lugar a nível nacional, mas que não se repetem nos temas quando vistos isoladamente. Colocando as notas de cada tema de todos os municípios em ordem decrescente (do maior para o menor) encontramos Marília, no ano de 2007, no ranking Brasil, o seguinte: Ranking na Saúde: 329º lugar.  Ranking na Educação: 41º lugar,Ranking no Trabalho e Renda: 58º lugar conforme tabela ac ima.

 

O problema é a Educação que, enquanto a nota nacional cresceu 1,7%, Marília teve um crescimento de 0,6%, também abaixo da nota média. Mas, ao vermos a variação entre os anos 2000  (primeira base do indicador) e  2007,  a que se refere a propaganda, a nota de  Marília caiu -1,4% – ou seja, pelo indicador, a  educação piorou nos 7 anos do período estudado. Ou seja, excluindo a área de emprego e renda, em todos os outros parâmetros em que o índice é construído, Marília teve um crescimento abaixo da variação nacional.

O que de fato deixa a desejar é verificarmos não mais a posição de Marília no Ranking da síntese dos vários temas  que é o de  7º lugar . Se montarmos um ranking “das variações das notas”  entre os anos de 2006 e 2007 e também entre os anos 2000 e 2007 -que formam a série histórica do IFDM – veremos que Marília tem tido uma variação de crescimento muito medíocre em relação aos 5564 municípios. 

 

Ranking da variação de nota do IFDM entre 2006 e 2007

3520º lugar de 5564

Ranking da variação de nota do IFDM entre 2000 e 2007

2633º lugar de 5564

Ranking da variação de nota de Emprego&Renda entre 2006 e 2007

2420º lugar de 5564

Ranking da variação de nota de Emprego&Renda entre 2000 e 2007

786º lugar de 5564

Ranking da variação de nota da Educação entre 2006 e 2007

4438º lugar de 5564

Ranking da variação de nota da Educação entre 2000 e 2007

5330º lugar de 5564

Ranking da variação de nota da Saúde entre 2006 e 2007

3974º lugar de 5564

Ranking da variação de nota da Saúde entre 2000 e 2007

3714º lugar de 556

O que nos chama a atenção nos números acima é a variação de Emprego&Renda considerando a série histórica de do ano de 2000 para 2007 que demonstra um vigor acima da média dos municípios e, de forma muito negativa, a posição da Educação no mesmo período que já era de se esperar quando verificamos mais acima a taxa negativa de variação da nota da Educação. Partes destes números podem ser explicadas pelo fato de que é muito mais difícil para um determinado município, que já tem notas altas, crescer,  do que outros que estão mais abaixo do ranking. O interesse de levantar estes números se deve à possibilidade de que a metodologia pudesse usá-lo, e assim esclarecer como Marília chega ao 7º. Mas parece que também não me esclarece.

Muitos devem estar se perguntando: mas como então sétimo lugar…? Também estranhei pois trabalho com indicadores já há algumas décadas (na análise mas não na sua construção) e a metodologia publicada no site da FIRJAN não me esclareceu muito. Enviei um e_mail para os técnicos da FIRJAN e a resposta também não esclareceu. Mas sinceramente, acredito que não haja erro de cálculo mas, também acredito, ao ver esses números isolados, que  talvez está não seja a metodologia mais correta para se apresentar essas variáveis e e identificar “desenvolvimento”, por isso, a necessidade da leitura em separado dos vários números (aspectos) que a formam. Além de prudente, uma leitura assim seria mais promissora.

Na discussão metodológica encontrada no site da FIRJAN, é colocado que essa metodologia vem a ser uma opção ao Índice de Desenvolvimento Humano Municipal – IDH-M – devido à periodicidade deste último. O IDHM é calculado a partir dos dados do Censo Demográfico e, portanto, de 10 em 10 anos. No caso do IDH Brasil e por Unidades da Federação, a periodicidade é anual em função da disponibilidade de informações anuais nacionais.

Acredito que o IFDM não se diferencia do IDH-M apenas pela periodicidade (decenal/anual) mas tenho certeza, após esta análise,  de que medem realidades distintas. Isso pode ser constatado comparando os dados dos 10 primeiros colocados no ranking relativos ao ano 2000 do IFDM (primeiro dado da série histórica) com os dados de 2000 do IDH-M (último publicado).

Com o podemos ver na tabela abaixo o município de Ivatuba, no Paraná, que no IFDM de 2000 estava em segundo lugar do ranking nacional se colocava, no mesmo ano de 2000 no IDH-M,na 1367 º posição. Matão que em 2000 estava em 1º no IFDM e enquanto no IDH-M ficava 447º. Na mesma seqüência Marília estava em 66 (IFDM) e 212 no ranking do IDH-M.

Ou seja… as metodologias são incomparáveis. Cada indicador tem suas qualidades e é necessária uma análise mais apurada do significado de seus números e de suas metodologias. Os dois estão certos…. mas falam de coisas diferentes.

 

Município

Ranking IFDM Nacional – 2000

Ranking IDHM Nacional – 2000

IFDM 2000

IDHM, 2000

Americana (SP)
69º

0,8300

0,8400

Araraquara (SP)
130º

0,8252

0,8300

Bebedouro (SP)
236º

0,8238

0,8190

Birigui (SP)
10º
143º

0,8200

0,8290

Ivatuba (PR)
1367º

0,8368

0,7680

Jaguariúna (SP)
139º

0,8215

0,8290

Marília (SP)
66º
212º

0,7717

0,8210

Matão (SP)
447º

0,8697

0,8060

Paulínia (SP)
41º

0,8229

0,8470

Pontal (SP)
747º

0,8211

0,7920

São José do Rio Preto (SP)
96º

0,8213



Fica assim aberta uma nova perspectiva na discussão do desenvolvimento de Marília. Não de forma simples, mas chamando o direcionamento dessa discussão para as coisas concretas dos moradores do município… procurando ver se de fato cada morador ficou com um frango assado,ou poucos moradores ficaram com muitos frangos e a maioria com nada e, quem sabe , se ninguém viu os frangos.

Saudações.

 

Por: Antonio Luiz de Carvalho Leme/Tecnologista em Informações Estatísticas e Geográficas / Gestor Ambiental .

 
 

 

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