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Tolerância com a corrupção não reduz a participação política

02 de dezembro de 2014 - 00:05

Um tema muito debatido entre pesquisadores que analisam o impacto da corrupção nas democracias tem sido o efeito desse acontecimento na participação política. Há muitas dúvidas entre os especialistas, como por exemplo. Será que a população tende a se desmotivar com a política quando é alta a sua percepção de que há muita corrupção? Ou mesmo, será que alguém que teve uma experiência pessoal com um servidor corrupto tende a se afastar da política?

Um estudo realizado pelos pesquisadores Robert Bonifácio e Rafael Paulino, do Centro de Estudos do Comportamento Político da UFMG, apresenta algumas respostas para essas dúvidas e elas contrariam a percepção comum. Ao contrário do que se imaginava, os pesquisadores encontraram evidências de que cidadãos que já vivenciaram casos de corrupção são mais propensos a participar de eventos políticos. Essa mesma relação foi encontrada entre aqueles que toleram mais a corrupção. Ou seja, a corrupção não teria um efeito desmobilizador do ponto de vista da participação política.

Bonifácio e Paulino analisaram dados do Latin American Public Opinion Project (Lapop) para os anos de 2004, 2006, 2008, 2010 e 2012. Os questionários do Lapop foram aplicados em mais de 20 países da América do Sul, Caribe e América do Norte. Para realizar o estudo, os pesquisadores criaram o índice de experiência com a corrupção e o índice de intolerância à corrupção, ambos como resultado da associação de respostas apresentadas pelos entrevistados. No primeiro, o Brasil aparece em 17º lugar, com 5,3% de respostas positivas dos entrevistados à experiência com casos de corrupção em 2012. O país com o mais alto índice foi a Bolívia, com 23,6%. A média dos 22 países pesquisados foi de 11,4%. Já no índice de intolerância à corrupção, o Brasil está em 8º lugar, quatro posições abaixo com relação ao ranking de 2010, com 90,9% de intolerância. Na média, 84% dos entrevistados são pouco tolerantes à corrupção.

Na pesquisa, os autores utilizaram técnicas estatísticas para mediar as relações entre as variáveis “experiência com a corrupção” e “tolerância à corrupção” com a chance de participação política. De acordo com o estudo, que foi apresentado no Congresso da Associação Brasileira de Ciência Política (ABCP), “os cidadãos que vivenciaram situações de pedido de propina/ suborno por parte de policiais e funcionários públicos apresentam maiores chances de engajamento em atividades participativas, comparados com os cidadãos que afirmam não terem vivenciado tais situações”. Os pesquisadores defendem ainda que as pessoas mais tolerantes à corrupção têm mais chances de engajamento em atividades participativas que os intolerantes, o que, novamente, contraria a ideia de que a corrupção afastaria o cidadão de eventos políticos.

Ainda não está claro se a participação é no sentido de o cidadão tentar mudar as coisas, ou seja, para reduzir ou acabar com a corrupção, ou de uma participação que tenta também se beneficiar da corrupção. No estudo, foram considerados como indicadores de participação política: o contato com atores políticos ou governamentais; ativismo comunitário; ativismo eleitoral; comparecimento eleitoral e ativismo de protesto. O Blog conversou com Robert Bonifácio sobre os resultados da pesquisa. (veja abaixo)

O índice de experiência com a corrupção no Brasil variou nas duas últimas rodadas de pesquisa de 6% para 5%. No mesmo período, vimos uma queda da posição do Brasil no ranking de tolerância à corrupção. Éramos o quarto menos tolerante, agora somos o oitavo. Estamos agora diante de novos casos de corrupção, o que esperar desses dados nas próximas pesquisa?

Robert Bonifácio: A medida de intolerância a pedidos de propina, chamada por mim de intolerância à corrupção, é um valor. Dentre os cidadãos de países americanos e caribenhos ao longo de 2006 e 2012, o percentual tem aumentando ligeiramente. No Brasil, houve uma pequena queda entre 2010 e 2012, com uma diferença percentual muito pequena para considerarmos uma alteração de tendência. Por ser um valor, espero que o percentual de intolerância à corrupção vá aumentando ao longo do tempo, mesmo que ocorra pequenas flutuações percentuais ao longo dos anos. O efeito para tanto é a convivência com o regime democrático, o que pode levar a um maior apego a seus princípios e normas.

Há uma grande dificuldade de os pesquisadores identificarem as causas da corrupção na política ou na administração pública. Essa ideia coloca o seguinte problema: o que não podemos entender ou explicar não podemos sanar. Qual a sua avaliação para esse dilema, se é que ele existe?

Bonifácio:É difícil mesmo dar respostas sobre as causas da corrupção, já que é um fenômeno ubíquo. São duas as considerações que considero serem as mais predominantes na literatura especializada: de um lado, há os que enfatizam um papel importante da cultura política de um determinado país, sendo essa cultura mais ou menos permissiva às práticas corruptas devido a processos históricos e políticos que são repetidos e perpetuados. Por outro lado, há aqueles que consideram o comportamento corrupto como consequência de um cálculo racional do indivíduo, sendo mais comum a prática de rent seeking (acúmulo de renda advinda de condutas que transgridem a lei) em ambientes em que os indivíduos enxergam serem grandes a oportunidades para tal. Essa dificuldade em identificar as causas da corrupção não pode, contudo, minar os esforços para conhecermos as práticas corruptas mais usuais e/ou medirmos a frequência e a intensidade do fenômeno nas sociedades. O conhecimento dessas questões contribuem para o entendimento da natureza das práticas corruptas e também para a criação de políticas de punição aos corruptores. Portanto, não vejo razões para a existência desse possível dilema que sugere na pergunta.

 O trabalho de vocês apresentam um dado curioso. Ao invés de desmobilizar, a corrupção teria um efeito mobilizante entre os cidadãos. Poderia explicar melhor essa relação?

Bonifácio: O que eu e Rafael Paulino encontramos é que, ao contrário do que pensávamos, há uma associação positiva entre diversas medidas de corrupção a nível individual e o envolvimento em atividades participativas, no contexto americano e caribenho, ao longo do período entre 2006 e 2012. Estou desenvolvendo no momento uma investigação com problema de pesquisa idêntico, juntamente com o professor Ednaldo Ribeiro, da UEM, mas focado no contexto brasileiro, para o mesmo período de tempo. Os resultados se repetem. Ou seja, não tenho dúvidas ao afirmar que há uma associação positiva entre corrupção e participação política, ao contrário do que se pode intuir. Dentre as medidas de corrupção utilizadas, a relativamente mais objetiva – e, por isso, mais válida – é a referente a experiência com situações de pedido de propina por parte de agentes públicos, como policiais e funcionários públicos Essa medida de corrupção é a que melhor discrimina a existência ou não de envolvimento político. Desse modo, quanto maior a experiência do cidadão com práticas corruptas, maior é a chance dele se engajar em diversas modalidades participativas: ativismo comunitário, ativismo partidário e eleitoral, contato com atores políticos e governamentais e ativismo de protesto.

Há possibilidade de se identificar se essa mobilização é no sentido de combater a corrupção ou de as pessoas também se beneficiarem da corrupção?

Bonifácio: Para além do tipo de relação existente entre corrupção e participação política, é preciso investigar quais são os mecanismos que permeiam essa relação. Assim, é preciso darmos esclarecimentos às seguintes indagações: os cidadãos buscam, a partir do ativismo político, mudar a postura corrompida dos agentes e das instituições públicas ou eles visam obter ganhos materiais via inserção na rede corrupta? Eu e Ednaldo atacamos esse problema no artigo que estamos desenvolvendo, com dados sobre o Brasil. Os testes ainda não estão completamente construídos, mas os já realizados – para o ano de 2007, somente – indicam que o perfil de cidadão que concilia experiência com corrupção e engajamento em ativismo comunitário apresenta-se mais permissivo e tolerante a diversas questões sobre corrupção. Já os que aliam experiência com corrupção e engajamento no ativismo partidário e eleitoral apresentam postura oposta.

Fonte: O Globo

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