Contrariamente ao que pensam alguns curiosos em finanças públicas, a MATRA sempre entendeu que, Orçamento Público e Lei Orçamentária Anual, nunca foram meras “peças de ficção”. E tanto não o são, que a Lei de Licitações (art. 7º, § 2º, inc. III, da Lei nº 8.666/93), determina que todo procedimento licitatório só possa ser iniciado, com a previsão dos recursos orçamentários necessários à realização da despesa, e ainda, com a indicação da respectiva rubrica, da qual sairá o dinheiro (art. 7º, § 2º, inc. III). Mas o legislador determinou, ainda, que posteriormente – com a finalização do processo de contratação e respectiva homologação – a autoridade competente formalize um ato denominado, empenho da despesa, que corresponde a uma espécie de reserva orçamentária, para a realização de uma determinada despesa. O empenho “cria para o Estado obrigação de pagamento” (Lei nº 4.320/64, art. 58).
Por outro lado, a chamada Lei de Licitações, determina que, para cada fonte diferenciada de recursos, haja a estrita obediência da ordem cronológica das datas de suas exigibilidades. E a inobservância dessa ordem só é permitida em caso de “relevantes razões de interesse público e prévia justificativa”. Certamente não se trata meras recomendações. São imperativos legais a serem obedecidos.
Ora! Seguindo essa trilha aberta pelo legislador, a boa lógica só pode nos levar à conclusão de que, se a lei fosse integralmente obedecida, todas as obrigações seriam saldadas no tempo e nos modos contratados, dentro dos respectivos exercícios fiscais. Significa dizer que não haveria os chamados restos a pagar e, via de consequência, também não haveria débito a ser transportado para o exercício seguinte (ou mesmo para o Prefeito seguinte). Ou seja: finanças em ordem = fornecedores satisfeitos. E a certeza do respeito aos contratos, poderia provocar o aparecimento de maior número de interessados em disputar as licitações, fazendo com que os preços pudessem cair.
Mas infelizmente não é isso que ocorre. A ausência de uma boa governança (interna) – amarga realidade do setor público – impede uma gestão de riscos, que possa evitar máculas na biografia dos gestores.
Vamos ao exemplo: uma Ação Civil Pública de Responsabilidade por Improbidade Administrativa proposta, recentemente, pelo Ministério Público contra o atual prefeito, Daniel Alonso, e o ex-Assessor Especial de Assuntos Estratégicos, Vanderlei Dolce (atual Secretário do Meio Ambiente e Limpeza Pública), fornece indícios de que algo de podre possa estar acontecendo por trás das inversões das ordens cronológicas dos pagamentos efetuados pela Prefeitura local. Aliás, inversão de ordem cronológica constitui um velho vício que vem das gestões anteriores e se repete na atual. Mas, infelizmente, o Ministério Público em Marília, jamais se interessou por este assunto.
Todavia, agora, algo despertou a atenção. Num depoimento ao Ministério Público o dono de uma empresa prestadora de serviços de confecção de faixas e adesivos para a Prefeitura, declarou ter confeccionado, gratuitamente, várias faixas publicitárias, alusivas aos primeiros cem dias do atual governo municipal, como gratidão, pelo pagamento de serviços realizados ao governo anterior (2013/2016), pagamento este, realizado com a interferência direta ou indireta, de Vanderlei Dolce. É certo, porém, que o motivo inicial da investigação, estaria ligado a uma suposta manipulação dos resultados da pesquisa.
De acordo com o MP, essa troca de favores entre autoridade pública e a prestadora de serviços, estaria a configurar uso indevido da máquina pública mediante a alteração da ordem cronológica dos pagamentos, de forma a colocar o pagamento dessa empresa, na frente de outros fornecedores. Nesse contexto, a violação do princípio da impessoalidade, é evidente.
Mas não se tratou de fato isolado. A MATRA constatou que só no ano de 2017 – ano da tal “gratidão” – a mesma empresa recebeu dezenove pagamentos fora da ordem cronológica, somando-se quase R$ 80 mil. E nesses casos, a justificativa para o pagamento fora da ordem cronológica é sempre um velho clichê/carimbo, que nenhuma relação guarda com “relevantes razões de interesse público”. Diz: “por se tratar da prestação de serviços de faixas institucionais para a divulgação de eventos, temas e campanhas diversas do município”.
Mas o que é profundamente lamentável é que neste particular, a administração atual vem repetindo os mesmos erros da administração anterior. Para se ter uma ideia, somente no mês de agosto de 2017 ela efetuou pagamentos fora da ordem a uma empresa de locadora de caminhões de lixo; a uma fornecedora de cestas básicas; peças automotivas e até, para a instalação de um mastro, solicitado pela a Secretaria Municipal de Planejamento Urbano. Aliás, a lista de empresas beneficiadas com o pagamento fora da ordem é enorme e as publicações podem ser conferidas, quase que diariamente, no Diário Oficial do Município.
Se em outras inversões de ordem cronológica, houve novos casos de “gratidão” é difícil afirmar, mas como disse certa feita, o imperador Julio César, na Roma antiga: “À mulher de César não basta ser honesta. Ela tem que parecer honesta”. Não basta, pois, que a administração seja honesta, tem que parecer… Marília tem dono. Você!