As legislaturas se sucedem, mudam-se as pessoas, aumentam-se o número de cadeiras (de 13 para 17), mas independência da Câmara se mostra em frangalhos. A Lei Orgânica do Município consagra os princípios da independência e harmonia entre os Poderes, mas isto parece não fazer o menor sentido para os dirigentes da Câmara Municipal. Resta à sociedade civil organizada avaliar o desempenho dos vereadores eleitos. Vamos lá!
O Processo Legislativo é o meio pelo qual as leis são editadas. E, o respeito às suas regras é fundamental para o aperfeiçoamento da nossa democracia. Trata-se, de um processo de natureza administrativa como qualquer outro. E, como tal, submisso aos princípios: da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência. Mas, sobretudo deve manter-se submisso ao sobreprincípio da supremacia do interesse público sobre o privado – interesse público primário, bem entendido (o da sociedade um todo) e não o secundário (do administrador).
Porém, os responsáveis pelos trabalhos camarários em Marília, passam a ideia de que ainda não se deram conta da importância do Poder que representam. E, isto resultou demonstrado durante a tramitação do Projeto de Lei Complementar de iniciativa do Executivo, que deu origem à LCM nº 1003/2025 (tratando da Reforma Administrativa Local). Vejamos:
Diz a Lei Orgânica Municipal, que o Prefeito poderá solicitar urgência na a apreciação de projetos de sua autoria. E que, solicitada a urgência a Câmara deverá manifestar-se em até quarenta dias sobre a proposição (art. 43, § 1º). Já, o Regimento Interno da Câmara exige que a exposição de motivos do projeto venha detalhada, explicando as razões da urgência (art. 110). Mas, nenhuma explicação deu o alcaide. E, tampouco cobrado pela Mesa da Câmara.
Ocorre, que o Projeto deu entrada no protocolo eletrônico da Câmara em 6/2/2025 (quinta-feira) às 20: 04: 43 hs., e no dia 10/2/2025 (segunda-feira) já foi votado e aprovado. Significa, que tramitou pela COMISSÃO DE JUSTIÇA E REDAÇÃO e pela COMISSÃO DE FINANÇAS, ORÇAMENTO E SERVIDOR PÚBLICO, apenas cumprir protocolo pois ambas emitiram seus pareceres já no dia 7/2/2025 (segunda-feira). Significa, quepraticamente só tiveram o dia 6 (sexta-feira), para estudar o Projeto com toda a sua complexidade, redigi-los e assina-los. E, nenhum desses pareceres sequer fez alusão à falta de cumprimento da exigência regimental das explicações acerca das razões da urgência – uma condição de validade para a tramitação mais célere, que se não satisfeita levaria inexoravelmente, à tramitação pelo rito comum de prazos mais extensos. Ponto negativo para estas comissões e seus integrantes.
Por outro lado, o art.12 do Projeto de Lei Complementar continha elementos de duvidosa constitucionalidade e legalidade. É que, ao autorizar o Prefeito a promover alterações no Plano Plurianual do Município; a promover alterações na lei de diretrizes orçamentárias, e; a promover alterações no orçamento geral do Município, tudo por mero decreto em lugar de lei em sentido estrito, o Poder Legislativo estava transferindo para o Poder Executivo a sua competência para legislar sobre estas matérias que especificou, numa flagrante afronta ao princípio da separação dos poderes acolhido pelo, art. 2º, e ao disposto no art. 15, III, ambos da Lei Orgânica Municipal (por simetria com a CF/88). Mas, isto também não poderia ter sido ignorado, principalmente pela COMISSÃO DE FINANÇAS, ORÇAMENTO E SERVIDOR PÚBLICO. Mais um ponto negativo para esta comissão e seus integrantes.
Porém, a displicência para com a coisa pública ganhou ainda maior concretude, no conteúdo desses dois pareceres: 1) o parecer da COMISSÃO DE JUSTIÇA E REDAÇÃO possui onze linhas dedicadas ao relatório, mais nove linhas para análise de questões formais, e nenhuma sobre o mérito do Projeto em si. Apenas um “nada a opor”, e “deixando o mérito – principal aspecto da propositura –, para a “deliberação do Plenário”; 2) o parecer da COMISSÃO DE FINANÇAS, ORÇAMENTO E SERVIDOR PÚBLICO possui onze linhas dedicadas ao relatório e, também, nenhuma palavra sobre o mérito do Projeto – apenas um “nada a opor”, e “deixando o mérito, principal aspecto da propositura, para a deliberação do Plenário”. Outro ponto negativo para ambas, e agora com moção de repúdio inclusive para seus membros.
Por outro lado, cabia à Mesa da Câmara ter tomado as medidas necessárias ao saneamento das irregularidades apontadas – como prescreve a Lei Orgânica (art. 34, I) –, determinando, inclusive, a intimação do Chefe do Executivo para que demonstrasse a presença do interesse público primário para a tramitação urgente (aliás, seria a única explicação plausível para justificar a tramitação em regime de urgência). E, em caso de não atenção à intimação, promover a tramitação pelo rito comum. Mas nada fez.
E assim, mesmo diante de todas estas questões prejudiciais ao desenvolvimento válido do Processo Legislativo, a Mesa “fez vistas grossas” agasalhado o regime de urgência. Com isto, Projeto tramitou à toque de caixa, tendo sido votado e provado numa velocidade vertiginosa (que até inviabilizou o oferecimento de emendas pelos vereadores). Resultado: em menos de dois dias úteis estava aprovado, e já no dia 12/02/2025 (quarta-feira), foi sancionado pelo Prefeito e convertido em lei. Ponto negativo para a Mesa da Câmara e seus integrantes.
É preciso ter em mente, que a Lei Orgânica Municipal reservou às comissões permanentes um papel da maior relevância: o de estudar os assuntos submetidos a seu exame e manifestar-se sobre eles (art. 36º, 1º, I), justamente como material de apoio para qualificar os debates que ocorrerão nos momentos finais: da discussão e deliberação em plenário. No entanto, a Mesa da Câmara, a quem cabia tomar providências necessárias à regularidade dos trabalhos legislativos, quedou-se inerte. Significa dizer que os vereadores acabaram discutindo e deliberando sobre a propositura, sem poder contar com pareceres bem fundamentados como era de se esperar –, o que pode explicar a superficialidade das manifestações na tribuna.
Mas, no final a maioria absoluta aprovou o projeto e assim foi editada a LCM nº 1003 que trata da Reforma Administrativa de Marília. Ponto negativo para todos os que aprovaram a propositura mesmo com todos os vícios apontados.
E que isto não mais se repita, pois Marília tem dono! Você, cidadão.