CARGOS COMISSIONADOS: A DECISÃO JUDICIAL E O AVANÇO INSTITUCIONAL QUE ISSO REPRESENTA

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Continua repercutindo na imprensa local e nas redes sociais a decisão liminar proferida pelo desembargador Antônio Celso Aguilar Cortez do TJSP – na ADIM de autoria da Procuradoria Geral de Justiça, proposta diante da representação que lhe foi direcionada pela OSCIP MATRA. A decisão desnuda o abuso de sempre na utilização dos cargos comissionados e não era novidade – considerando-se o que também por iniciativa da MATRA – já ocorrera com o DAEM (15 cargos) e com Câmara Municipal (42 cargos). Ao contrario, pois, era uma “morte anunciada” e, portanto, bastante previsível.  Naquelas oportunidades, apesar também de reclamos de “impossibilidade” de tocar os serviços, o galo cantou, o sol raiou e a vida seguiu o seu curso. Isso já é um avanço. E não é só: ao que tudo indica concursos serão realizados e não mais por empresas de desconhecida idoneidade, mas sim pela VUNESP, o que traz segurança aos concorrentes e oportunidade de melhor escolha para a administração.

Quem possui alguma intimidade com a Constituição da República Brasileira certamente não pode deixar de admitir que nosso Estado possui objetivos claros: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária; II – garantir o desenvolvimento nacional; III – erradicar a pobreza, a marginalização, reduzir as desigualdades sociais e regionais, e IV – prover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (CF/88, art. 3º). Acresce a isso o fato de que a igualdade de todos perante a lei deve ser um traço marcante da República, assim como a constante a busca pela moralidade. Daí a exigência de concursos públicos confiáveis, como regra.

Mas desde o seu nascedouro esse mesmo Estado padece de um grave vício: o fisiologismo, assim compreendido como “a conduta ou prática, de certos representantes e servidores públicos, que visa à satisfação de interesses partidários ou vantagens pessoais, em detrimento do bem comum”. Traduzindo em linguagem popular: “Se a farinha é pouca, meu pirão primeiro”.

E é exatamente esse fisiologismo que a OSCIP MATRA vem combatendo, sempre em busca da efetivação desses objetivos do Estado brasileiro. Como pano de fundo do que defende a entidade (MATRA) – que é formada apenas por cidadãos comuns de Marília – se encontra o bem de todos e não o bem exclusivo de poucos. Pois quem acompanhou o julgamento daquele processo que ficou conhecido como Mensalão, e vem acompanhando os desdobramentos da Operação Lava Jato, certamente já percebeu que na raiz do problema Estado Brasileiro se encontra, exatamente, o fisiologismo. Partidos políticos – que são entidades privadas – ou os caciques da política, sempre de olhos nas eleições seguintes, acabam loteando a administração pública de todos os níveis, em cotas, aparelhando-a em proveito próprio e de pessoas/empresas que lhes financiam ou ajudam em campanhas. A operação Lava Jato tem nos mostrado, com clareza, que é daí que surgem os tais “financiamentos de campanha”. E também aí está uma das fortes razões da crônica ineficiência dos serviços públicos: a cúpula da sua estrutura administrativa – que no setor privado é fixa e escolhida por critérios técnicos – infelizmente acaba sendo móvel e muda ao sabor de critérios políticos da pior motivação possível. Isso para não dizer da desmotivação que acarreta nos servidores de carreira, que não progridem.

Alguns chegam a dizer que essa prática é normal e que facilita a governabilidade, ou que administrações anteriores tiveram número maior ou, ainda, por mero subjetivismo, que Marília comportaria “uns 50, 60 ou até 100 cargos”. Mas o resultado acaba descambando para o que a imprensa nacional tem chamado de “balcão de negócios” e não uma governabilidade cunhada por valores que privilegiem o bem de todos. As sentenças de condenações nos processos do Mensalão e da Lava Jato são registros históricos formais, dessa realidade perversa.

Mas o critério utilizado pela Constituição não é o numérico – apesar de existir um limitador dessa natureza que serve de simples baliza contra o avanço sobre o terreno reservado aos servidores de carreira.  Há princípios que norteiam a limitação dos cargos de livre nomeação, tais como os da moralidade; da igualdade de todos perante a lei; da eficiência da administração pública; da razoabilidade; da independência entre os poderes (este último a impedir que membros do legislativo troquem votos por vantagens na administração pública), entre outros. E ela (a Constituição) ainda restringe a possibilidade da livre de nomeação aos cargos de direção, chefia e assessoramento aos casos que exijam o “controle de execução das diretrizes políticas do governante, a ser desempenhado por alguém que detenha absoluta fidelidade a orientações traçadas”, como bem argumentou o Procurador Geral de Justiça ao propor a ADIM referida. Entretanto funções meramente técnicas, certamente nada têm a ver com controle de execução de diretrizes políticas ou coisa que o valha. E nem o Executivo nem suas bases de sustentação, detém um “cheque em branco” para fazer da res pública (coisa pública), os seus currais eleitorais.

É bom que se diga que a MATRA não é contra os cargos comissionados em si, e sim a favor de princípios. O que ela busca é o respeito aos limites constitucionais que resultaram de um consenso estabelecido pelo povo reunido em Assembleia Nacional Constituinte. Afinal, ou defendemos uma só Constituição para todos ou teremos muitas Constituições para ninguém, regredindo no tempo, em direção ao “quem pode mais chora menos”. Afinal, Marília tem dono: VOCÊ!

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