PACIÊNCIA TEM LIMITE

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Com a mudança de mãos ocorrida no governo de Marília esperava-se, no mínimo, o sopro de novos ventos. Todavia, vez por outra, algumas nuvens cinzentas voltam a assombrar o sossego dos marilienses. Entra governo e sai governo, parece que os olhos continuam fixos na joia da coroa: o DAEM. É compreensível que olhos gordos acabem se voltando para ele, pois se trata de uma autarquia que administra a terceira maior receita do Município e cujo maior cliente é justamente a Prefeitura.

Até parece que a história tem pouco a ensinar aos nossos administradores. Nos anos 60 – com uma visão de verdadeiro estadista – Armando Biava vislumbrou que os serviços de água e esgoto necessitavam de administração autônoma, especializada, com patrimônio e receita próprios, dada à sua importância para a saúde pública. E por isso ele criou um departamento com personalidade jurídica própria (com autonomia administrativa e financeira): uma autarquia municipal. Sendo vital para saúde dos marilienses e para o desenvolvimento de nossa cidade, Biava pretendeu criar um órgão público calcado na eficiência, com foco exclusivo na produção e distribuição de água tratada, bem como coleta e tratamento de esgoto.  Mas a visão rasa e rasteira de certos governantes posteriores tem ameaçado colocar a perder, algo que levou mais de meio século para ser construído.

A administração anterior queria privatizar os serviços e acabar com tudo de vez, entregando-o a uma empresa envolvida com a “Operação Lava Jato”. O povo resistiu e conseguiu segurar a onda. Já na administração atual alguém vislumbrou a possibilidade do “almoço grátis”, transformando o DAEM numa secretaria, simplesmente para fazer desaparecer uma dívida resultante de contas de água e esgoto não pagas pela Prefeitura. Era uma dessas formas de “contabilidade criativa”. O povo novamente resistiu (pelas redes sociais).

Mas uma iniciativa – agora concreta – da nova administração finalmente veio a público de forma oficial. O atual prefeito resolveu ressuscitar uma antiga e infeliz ideia de conceder isenção à Prefeitura de forma a que ela possa utilizar os serviços de água e esgoto – em todos os prédios públicos municipais (próprios ou alugados), sem pagar nada por eles. A ideia nada tem de inovadora, a despeito de o seu autor ter se valido até de recursos muito modernos – o “recorta e cola” – tendo como base o Projeto de Lei nº 20/2011 de autoria do ex-prefeito Mário Bulgareli –  o qual deu origem à Lei nº 72250/2011, logo revogada no governo Tóffoli em razão de causar desequilíbrios nas contas da autarquia e dificultar investimentos para a melhoria dos serviços. Aliás, sem nenhum pudor a nova versão até repete os mesmos argumentos da Exposição de Motivos do Projeto de 2011.

Ocorre que isenções fiscais são benefícios que se concedem a terceiros e não a si próprio. Correspondem a renuncias fiscais, que têm a função de sanção positiva – estimular comportamentos (de contribuintes) considerados de interesse público – ou ainda, a função assistencialista. Mas elas só devem ser concedidas tendo-se em vista o interesse público primário (da sociedade) – e não interesse público secundário – da Prefeitura. E ainda assim quando, “ao mesmo tempo em que favorecem pessoas, têm em conta objetivos constitucionalmente consagrados (proteção à velhice, à família, à cultura, aos que apresentam desenvolvimento mental precário, aos economicamente mais fracos, isto é, que revelam ausência de capacidade econômica para suportar o encargo fiscal, e assim avante)”. (CARRAZZA, Roque Antonio, Curso de Direito Constitucional Tributário, Malheiros, 29ª. ed., p. 986). Não é o caso, pois a Prefeitura só pretende se livrar de uma despesa que ela própria dá causa.

Por outro lado, trata-se de proposta de renúncia de receita que não veio acompanhada de estimativa de impacto orçamentário-financeiro (para o DAEM) no exercício em que deva iniciar a sua vigência. Como também não existe qualquer demonstração de que tal renúncia tenha sido considera na estimativa de receita da lei orçamentária e, ainda, a proposta não veio acompanhada de medidas de compensação por meio de aumento de receita, proveniente da elevação de alíquotas ou ampliação da base de cálculo da remuneração pelos serviços prestados, conforme dispõe a Lei de Responsabilidade Fiscal (LC 101/2000, art. 14, I e II).

Ei pessoa, acorde! Paciência tem limite. E Marília tem dono: seu povo.