Em fevereiro, o prefeito de Marília decretou intervenção na RIC Ambiental para apurar falhas nos serviços de água e esgoto, prometendo um laudo técnico em cento e oitenta dias. Parecia razoável supor que toda a energia administrativa se concentraria nessa sindicância. Entretanto, antes que o diagnóstico ganhasse forma, o Executivo publicou, por dispensa de licitação, a contratação da Argos Engenharia para elaborar um “plano consolidado” de saneamento básico. A decisão não intriga apenas pelo custo: ela colide com a lógica do próprio processo interventivo.
A contradição se torna evidente quando se lembra que a Lei 11.445, modificada pelo Marco do Saneamento de 2020, separa revisão de elaboração do zero. Revisar é atualizar metas, cronogramas e indicadores; preservar o horizonte de vinte anos; honrar o pacto firmado com a sociedade e, sobretudo, aproveitar dados já pagos. Elaborar um plano novo é gesto radical: zera-se o relógio, repetem-se audiências públicas, refaz-se diagnóstico, tudo a preço de estudo inédito. Marília aprovou seu PMSB em 2019; a revisão obrigatória só vencerá em 2029. Portanto, elaborar agora outro documento só se justificaria em duas hipóteses extremas: se o texto de 2019 fosse juridicamente inválido ou se o Executivo planejar uma nova concessão de saneamento que ultrapasse os limites do contrato vigente com a RIC Ambiental.
Se for esta segunda intenção, é preciso dizê-lo com todas as letras. Um plano totalmente novo pode ser a senha para relicitar não apenas água e esgoto, mas também drenagem pluvial, integrando tudo numa Parceria Público-Privada de largo espectro. Tal caminho não é ilegal, mas exige rito claro: estudo de viabilidade, lei autorizativa, consulta pública e compatibilização tarifária. Fazer de conta que se trata de mero “plano consolidado” é mascarar a real guinada de política pública — e expor o processo a contestações jurídicas que, ironicamente, retardariam qualquer nova licitação.
Enquanto isso, o contrato firmado em 2024 vincula as metas de investimento às diretrizes de 2019. Alterá-las de modo unilateral, em meio à intervenção, corre o risco de romper o equilíbrio econômico-financeiro e gerar disputa tarifária. E há o complicador da drenagem pluvial: o Município lançou edital para construir galerias no Parque Serra Dourada, obra que a concessão de água e esgoto não cobre.
Editorial serve para sugerir rumo, não apenas registrar perplexidade. Tudo indica que a ordem racional seria outra: concluir o laudo interventivo, declarar — com base técnica — se a concessão ainda se sustenta ou se será rompida; em seguida, optar entre revisar o PMSB de 2019 ou elaborar um novo plano que sirva de matriz para eventual relicitação. Assim, cada etapa alimenta a seguinte, em vez de se atropelarem. Planejamento é promessa escrita: revisá-la honra o compromisso; reescrevê-la sem confessar o motivo é planejar em círculos — e fazer o contribuinte rodar junto.
Porque Marília tem dono, cidadão: VOCÊ!