RIC AMBIENTAL: uma intervenção necessária, porém insuficiente.

Capa Matra

O prefeito Vinícius Camarinha tem causado boa impressão neste começo de seu segundo mandato, despertando esperanças na população. E, agora resolveu tocar num ponto sensível, porém complexo de resolver: a herança maldita deixada por seu antecessor, no que diz respeito à concessão dos serviços de fornecimento de água tratada e coleta de esgotos, ao consórcio RIC AMBIENTAL.

O recente decreto de intervenção nessa concessionária, certamente representa um ponto a seu favor, porém insuficiente, diante de todas as ilegalidades que foram apontadas pela MATRA, e, também por terceiros, alguns ainda pendentes de decisão judicial final. O ideal, mesmo, seria a retomada dos serviços.

O Decreto nº 14.601/2025 enumera diversas irregularidades que justificam a medida: 99 reclamações na Ouvidoria Municipal ignoradas pela empresa; denúncias no PROCON sobre a qualidade dos serviços; interrupções frequentes no fornecimento de água; reajuste tarifário implementado sem o parecer do Conselho Municipal de Saneamento Básico e antes de completar 12 meses de contrato; ausência de seguros obrigatórios; e descumprimento do cronograma de metas, entre outras falhas.

Porém, chama atenção, o parágrafo 1º do artigo 1º do mesmo decreto, que menciona a “apuração de responsabilidades cabíveis da entidade de regulação e de seus agentes”. É importante destacar que os servidores da AMAE, salvo raras exceções – como a dos dirigentes máximos, por exemplo –, não podem ser responsabilizados por falhas de origem, na estrutura de comando da entidade. Falhas estruturais, aliás, preexistentes ao princípio de suas respectivas atuações. Esses profissionais são, a bem da verdade, vítimas de um arranjo político institucional inadequado, que colocou esta própria agência em posição de fragilidade regulatória: num passe de mágica prefeito anterior, de triste memória, transformou o DAEM – uma autarquia simples – numa autarquia que deveria ser regida por regime especial.

 E, assim, mudaram-se o nome e as funções do antigo DAEM e conservaram-se os problemas estruturais de comando causados pela Lei nº 3926/1993. Pior impossível!

Mas é preciso reconhecer que algo teria que ser feito e o Prefeito Vinícius optou pela medida interventiva. Afinal a concessão nasceu marcada por vícios insanáveis, como a MATRA já vinha alertando desde o início do processo licitatório. Houve até a utilização de demonstrações financeiras “fake”, que se encontram documentadas por “Ata Notarial”, oportunidade em que ficou clara a utilização fraudulenta de demonstrações do SAEE, de S. Carlos, no portal do DAEM. Contudo, seria ingênuo acreditar que a intervenção, por si só, resolverá o problema fundamental.

Isso, porque o Marco Legal do Saneamento Básico (Lei nº 11.445/2007) é cristalino ao estabelecer, em seu artigo 11, III, como condição de validade para qualquer contrato de concessão na área, “a designação da entidade de regulação e de fiscalização”. A existência de uma agência reguladora, tecnicamente capacitada e independente, funciona como salvaguarda contra abusos tarifários e deterioração da qualidade dos serviços. Este é o ponto! A AMAE não passa de um simulacro agência reguladora.

Uma verdadeira agência reguladora deve ser constituída como autarquia em regime especial, dotada de autonomia administrativa, orçamentária e financeira, com dirigentes nomeados para mandatos fixos não coincidentes com os do Executivo, e protegida contra interferências políticas por regras rígidas de quarentena e impedimentos. Mas é preciso mais do que boas intenções. É preciso vontade política para fazer isto.

Porém a AMAE mantém a vulnerabilidade do antigo DAEM. Sua estrutura, definida não por lei específica, mas por decreto do Executivo, é um convite à captura política. Mas não foi por falta de aviso, pois a MATRA se cansou de avisar e nada foi feito pela classe política dirigente[1].

Outro ponto é a ausência de um conselho diretor ou diretoria colegiada – apenas o Comissário-Geral possui mandato, enquanto os demais cargos são livremente nomeados e exonerados – voluntariado. Essa estrutura compromete a imparcialidade e a pluralidade nas decisões regulatórias, essenciais para o equilíbrio entre os interesses dos usuários e da concessionária.

A ausência de capacidade técnica também salta aos olhos. Os requisitos para ocupação dos cargos de direção são vagos (“experiência em chefia de autarquia”, “preferencialmente com formação em engenharia”) e não há previsão de qualquer sabatina legislativa ou processo seletivo que assegure competência técnica.

Destarte, o problema vai muito além das falhas operacionais da RIC Ambiental. A intervenção municipal, embora justificada, assemelha-se a tratar os sintomas ignorando a doença. Em um cenário onde falta o elemento mais fundamental – uma agência reguladora legítima nos termos da lei – qualquer intervenção será paliativa.

A Lei de Concessões (8.987/95) prevê, em seu artigo 35, V, a possibilidade de extinção da concessão por anulação – hipótese que se aplica diretamente ao caso de Marília, em que a celebração do contrato se deu eivada por vício insanável: a ausência de designação de uma entidade reguladora válida, em violação ao art. 11, III, do Marco do Saneamento.

A MATRA sempre defendeu que o problema do DAEM estava na ausência de boas práticas de governança, de raízes estruturais. Porém acabou prevalecendo a narrativa politiqueira da inviabilidade do DAEM, a qual serviu para justificar uma concessão, jurídica e economicamente insustentável, cujas fragilidades são agora reveladas pelo decreto de intervenção, que apenas adia a solução definitiva que o caso exige.

Mas Marília tem dono, cidadão! Você.


[1] MATRA – MARÍLIA TRANSPARENTE,  IRREGULARIDADE GRAVÍSSIMA NA CRIAÇÃO DA AGÊNCIA REGULADORA LEVA À 2ª AÇÃO CIVIL PÚBLICA DA MATRA CONTRA A CONCESSÃO DO DAEM, disponível em: https://matra.org.br/irregularidade-gravissima-na-criacao-da-agencia-reguladora-leva-a-2a-acao-civil-publica-da-matra-contra-a-concessao-do-daem/.