Uma prática financeira perversa e irresponsável vem sendo perpetrada no Município de Marília há mais de trinta anos, e ao que parece se institucionalizou. Ela consiste em “gerar” recursos fictícios simplesmente deixando de saldar, pontualmente, obrigações para com o DAEM (despesas com consumo de água e coleta de esgotos ocorridas em imóveis próprios ou alugados), e para com o IPREM (Repasses das contribuições da cota patronal, o não recolhimento dos aportes e no passado até as contribuições dos servidores).
Para se ter uma ideia do tamanho do descaso, em 2017 foi efetuado mais um acordo, no valor de R$ 181 milhões, englobando todas as dívidas atrasadas, tanto de prefeitos anteriores, quanto do atual. Mas a partir dali as contribuições estão regulares? Não, a velha prática continua e de lá para cá o atual prefeito deixou de recolher ao IPREMM, entre a parte patronal e aportes, o equivalente a R$ 72 milhões. Paulatinamente um passivo financeiro para a Prefeitura vai surgindo e se acumulando como uma bola de neve, a ponto de comprometer a saúde financeira dessas autarquias municipais e de dar ensejo à contratação de parcelamentos que sempre vêm precedidos de uma confissão de dívida. Mas mesmo após efetuados os parcelamentos, as obrigações novas que, vão surgindo, também não vão sendo cumpridas. Depois de alguns anos, se resolve consolidar a dívida (somando-se a antiga com a nova) e se elaboram outros parcelamentos. E vai se rolando a dívida e os créditos não pagos dessas autarquias, servindo para financiar as despesas gerais do município, sem amparo nas leis orçamentárias (LDO e LOA) que preveem uma perfeita sintonia entre receitas e despesas autorizadas.
A Lei de Responsabilidade Fiscal equipara isso a “operações de crédito” (LC 101/2000 art. 29 § 1º) e durante o julgamento do processo de impeachment da ex presidente Dilma Rousseff esse tipo de prática ficou conhecida como “pedalada fiscal”. Tais “pedaladas” forneceram a justificativa jurídica para que ela fosse apeada do Poder depois de uma brilhante exposição do procurador do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União, Júlio Marcelo de Oliveira. Mas por aqui as instituições de controle – Câmara Municipal; TCE e Ministério Público – parecem não se dar conta da gravidade dessa irresponsabilidade fiscal que nada de bom traz para o Município. E quem se cala, consente – diz a sabedoria popular.
Particularmente no que diz respeito ao DAEM, encontra-se em tramitação na Câmara Municipal o Projeto de Lei n° 135/2018 de iniciativa do Poder Executivo local, o qual em sua exposição de motivos traz a confissão de dívida da Prefeitura para com o DAEM, no valor de R$ 11,8 milhões. Não se inclui nessa dívida o que já foi objeto de parcelamentos realizados em gestões passadas. Mas o que pareceu claro é que seu montante se refere a contas de água e esgoto não pagas desde 1991 até maio de 2018, o que significa que estas pedaladas já duram mais de 30 anos. Levantamento atual, aponta para uma dívida ainda maior só na gestão do atual prefeito: R$ 13.786.000,00, dos quais, só de juros R$ 3.271.688,43. E aí perguntamos: Quem vai pagar esses juros pelo atraso? O povo, claro, mais uma vez.
No entanto esse projeto de lei propõe que a dívida seja paga mediante DAÇÃO EM PAGAMENTO, de seis poços de captação de água (e respectivos terrenos e equipamentos que a rigor já deveriam pertencer ao DAEM), avaliados em cerca de 12,9 milhões e a Prefeitura ainda ficaria credora de aproximadamente R$ 1 milhão. Um mero acerto contábil, convenhamos, mas muito vantajoso para o devedor, que ainda recebe troco.
Na verdade, esses poços já deveriam pertencer ao DAEM porque a Lei nº 1369/66, que o criou, atribuiu a ele o monopólio dos serviços de água e esgoto. E para tanto na época, já lhe conferiu “todos os bens móveis e imóveis” então “usados no sistema público de água e esgotos sanitários” e determinou que tais bens lhe fossem entregues após inventário procedido por uma Comissão, “sem qualquer ônus ou compensações e independentemente de quaisquer formalidades” (art. 17). Foi com este espírito que foi criado. Mas agora a Prefeitura ao que parece não reconhece esse monopólio instituído por lei e ao invés de transferir pura e simplesmente os poços como determinava a lei criadora, pretende – depois de consumir durante trinta anos sem pagar pelos serviços que consome (e continuar não pagando) – quitar a sua enorme dívida transferindo de forma onerosa, justamente seis poços que já integram o sistema de captação de água da autarquia há muito tempo. Até parece que tencionam, deliberadamente, inviabiliza-lo. Ou será que existe a intenção de privatizá-lo no futuro?
Não se sabe ao certo qual a idade desses poços para saber se já deveriam ter constado daquele inventario ao qual se refere a lei de 1966 ou se deveriam ter sido transferidos de domínio, depois. Mas o fato é que ainda que tenham sido perfurados depois de 1966, o único titular dos serviços de perfuração de poços para a captação de águas subterrâneas – por imposição legal – é o próprio DAEM, não a Prefeitura. E, diante das necessidades crescentes de abastecimento, o Poder Executivo deveria ter dotado a autarquia de recursos mediante, “auxílios; transferências correntes e de capital; créditos adicionais” (Lei 3926/93, art. 25 III), para que ela própria tivesse recursos para a construção desses poços. Ademais ao longo dos tempos, muitos recursos utilizados na perfuração desses poços vieram da União a custo zero para o Município, especialmente para custeio das atividades do DAEM (verbas carimbadas). Ou seja, há também, uma grande probabilidade de o dinheiro ter vindo mesmo para ser destinado à autarquia e ainda que não o fossem, era obrigação legal do Executivo ter efetuado os repasses desses recursos para que a autarquia pudesse fazer os investimentos necessários à saúde e ao bem-estar da população.
É preciso lembrar que o DAEM é uma autarquia! E como tal, deve possuir autonomia administrativa e financeira, assim como patrimônio próprio para a realização de seus fins. Não é um órgão qualquer, integrante da administração pública direta – sem qualquer menosprezo a esses órgãos – e nem pode ser tratado como um mero “puxadinho” da prefeitura, a ponto de confundir seus interesses com os interesses dela.
Resta saber, uma vez aprovado o Projeto, qual será a atitude da direção do DAEM (e de seus conselhos deliberativo e fiscal). Exercerão a sua autonomia e recusarão a DAÇÃO EM PAGAMENTO, ou se curvarão à vontade do Executivo? A história nos diz que a recusa produz seus perigos funcionais a exemplo do que ocorreu com um certo Procurador do DAEM, que ao cumprir sua obrigação funcional e ajuizar a Execução Fiscal contra o Município – justamente por essa mesma dívida – teve contra si instaurada uma sindicância por ordem de um antigo Procurador Geral do Município. Coisas de política tacanha e provinciana! Mas por outro lado, existe a responsabilidade financeira, e a funcional, a serem preservadas. Eis o dilema!
Lamentável! Mas é assim que funcionam as coisas nesta “Marília de Dirceu. Precisamos evoluir e muito, pois Marília tem dono: VOCÊ!