A Lei 12.527/2011, a Lei de Acesso à Informação, garante ao cidadão brasileiro o direito de obter, sem obstáculos, dados produzidos ou custodiados pelo poder público. Para que esse direito deixe de ser exercido caso a caso, o governo federal criou, em 2016, a Infraestrutura Nacional de Dados Abertos (INDA), fixando normas e prazos para que cada órgão publique seus principais conjuntos de informações em formatos utilizáveis por qualquer pessoa, sem necessidade de senha ou software proprietário.
“Dados abertos” é uma expressão simples, mas envolve regras precisas. Um conjunto de informações só merece esse rótulo quando atende, ao mesmo tempo, a três critérios: está disponível ao público sem necessidade de senha; pode ser lido e manipulado por computador, em formatos como CSV ou JSON, livres de patentes; e permite reutilização irrestrita, inclusive para fins comerciais ou jornalísticos. Diferentemente de relatórios em PDF, que exigem conversão trabalhosa, bases abertas são planilhas vivas que qualquer pessoa pode filtrar, cruzar e combinar com outras fontes para extrair evidências.
Passados nove anos, o município de Marília continua fora desse movimento. Apesar de manter no site da Prefeitura várias páginas com links rotulados como “Dados Abertos”, ali não há sequer um catálogo organizado. Contratos, folhas de pagamento e relatórios contábeis aparecem dispersos em arquivos PDF ou planilhas isoladas, sem padronização que permita análise automatizada. Na prática, o que deveria estar à mão do cidadão permanece trancado em gavetas, sejam elas físicas ou digitais.
Nas últimas semanas, a OSCIP MATRA – Marília Transparente enviou pedido formal à Secretaria Municipal de Tecnologia e Inovação: queremos saber se existe, ou ao menos se está em estudo, um plano local de dados abertos inspirado nos critérios da INDA. O protocolo foi feito pelo sistema informatizado do Município, canal oficial para requerimentos baseados na Lei de Acesso. O prazo legal de vinte dias, prorrogável por mais dez quando há justificativa, expirou sem resposta. O silêncio não é detalhe burocrático; ele viola frontalmente a própria lei que a Prefeitura está obrigada a cumprir.
A omissão tem consequências concretas. Sem bases abertas, qualquer tentativa de controle social depende de solicitações pontuais, que se acumulam nos gabinetes e retardam a fiscalização. Jornalistas, pesquisadores e programadores ficam impedidos de cruzar grandes volumes de dados para, por exemplo, verificar sobrepreço em licitações, acompanhar metas de saúde ou mapear atrasos em obras públicas. O Tribunal de Contas do Estado de São Paulo já usa critérios de transparência digital em seu Índice de Efetividade da Gestão Municipal; cidades que não evoluem podem ver suas condutas questionadas.
Adotar uma política de dados abertos não exige tecnologia cara nem revolução administrativa. Há softwares livres, como o CKAN, utilizados pelo governo federal e por capitais, os quais permitem publicar conjuntos de dados com descrições claras e atualização automática. O verdadeiro desafio é político: inventariar as bases prioritárias, criar um comitê com participação da sociedade civil, fixar um cronograma público e cumprir o prometido.
Enquanto a prefeitura não se move, cabe à Câmara Municipal cobrar transparência e ao Ministério Público adotar postura proativa nesse campo. À sociedade, resta insistir: sem dados abertos, qualquer discurso sobre gestão moderna é apenas fachada. Marília, que se orgulha de sua vocação empreendedora, não pode permanecer na contramão de uma tendência que já transformou o modo como cidadãos fiscalizam governos no mundo inteiro. O poder de mudar essa página está nas mãos do Executivo municipal. Falta apenas vontade de acender a luz. Porque Marília tem dono, cidadão: VOCÊ!