Arrastão da Corrupção: Seis pessoas são denunciadas por desvio de verbas públicas em MG

O Ministério Público Federal (MPF) em Montes Claros denunciou seis pessoas – quatro de uma mesma família – por formação de quadrilha e diversos outros crimes praticados contra a Administração Pública, por meio da falsificação de documentos, fraudes em licitações e desvio de verbas públicas, num gigantesco esquema de corrupção que também envolveu funcionários públicos municipais.
 
Os acusados são Hélio Rodrigues Neres (Hélio Gordo), sua esposa, irmão e filha, além de dois funcionários públicos da Prefeitura Municipal de São João da Ponte/MG, um deles irmão do atual prefeito da cidade Fábio Luiz Fernandes Cordeiro (Fábio Madeiras).
 
De acordo com a denúncia, os crimes foram descobertos durante a operação “Conto do Vigário”, investigação realizada por órgãos estaduais para desvendar um esquema de corrupção que envolvia vários municípios do Norte de Minas Gerais. Ao se depararem com irregularidades envolvendo verbas públicas federais, os documentos foram encaminhados ao MPF e à Polícia Federal.
 
Pelo menos 15 municípios estão sendo investigados. Entre eles, o Município de São João da Ponte, onde foi constatado o desvio de verbas federais no valor de R$ 615 mil, repassadas pelo Ministério da Saúde por meio da Portaria nº. 3.313, de 29/12/2009, para a compra de materiais e equipamentos médico-hospitalares de uso permanente

Fraude em licitações – Segundo a denúncia, o então secretário municipal de saúde, Fagner Magela Fernandes Cordeiro (irmão do prefeito), e a secretária municipal de Finanças, Rita de Cássia Dias Costa Cordeiro, realizaram quatro licitações para a compra do material, todas elas fraudadas. Para isso, eles procuraram o denunciado Hélio Rodrigues Neres (Hélio Gordo), notoriamente conhecido pelos agentes públicos das prefeituras locais como o dono de empresas destinadas a fraudar licitações públicas.

A prefeitura então simulou solicitar orçamentos às empresas Comercial Costa Azul Ltda, Rio Verde Ltda e Ronnye Petterson Neris – ME (“Cirúrgica Líder”), todas elas empresas “fantasmas”, de propriedade de Hélio Gordo e de sua família.

 
Essas empresas, conforme apurado durante as investigações, “só existem no papel, sem patrimônio real, sem existência física, e nunca funcionaram de fato. Sua finalidade era exclusivamente fraudar licitações e desviar verbas públicas em conluio com agentes públicos municipais”.

Para o MPF, tal finalidade ficou evidenciada pelas centenas de notas fiscais emitidas em favor de dezenas de municípios norte-mineiros e de outras entidades públicas, mas nunca para instituições privadas.


Superfaturamento – As empresas não tinham empregados, estoques nem equipamentos; os endereços informados em seus contratos sociais eram falsos e as declarações de Imposto de Renda informavam que elas eram inoperantes.

No caso de São João da Ponte, foram fornecidos os orçamentos solicitados pela prefeitura, com o detalhamento dos custos dos bens. De posse deles, a secretária municipal de Finanças elaborou a planilha de custos, com valores quase 30% superiores àqueles previstos pelo Ministério da Saúde. A modalidade licitatória realizada era o pregão, no qual a Administração Pública faz uma estimativa de custos dos itens a serem adquiridos, e, com base nela, contrata a empresa que oferecer o menor preço.

 
Neste caso, obviamente, como todas as empresas participantes pertenciam ao denunciado Hélio Gordo, esse preço era manipulado e superfaturado conforme a conveniência dos envolvidos. Em alguns casos, foi constatado um sobrepreço de mais de 80%.
 
Consumada a fraude, o então secretário municipal de Saúde, Fagner Magela Fernandes Cordeiro, emitiu as ordens de compra dos equipamentos. Foi apurado que duas delas – documentos públicos da Prefeitura – tinham sido confeccionadas pelo acusado Hélio Gordo, em seu computador pessoal, posteriormente apreendido pela Polícia Federal.

Fagner Magela Cordeiro, também denunciado pelo MPF, assinou depois as respectivas ordens de recebimento dos materiais e equipamentos, atestando que eles tinham sido entregues e conferidos, para que fosse efetuado o pagamento ao fornecedor.

 
No entanto, em diligência realizada em março deste ano, vários materiais, já pagos, não foram encontrados. O valor total dos itens faltantes chegava 170 mil reais.
 
Descobriu-se também outro crime praticado contra a Administração Pública. Entre os equipamentos entregues pela empresa de Hélio Gordo, alguns tinham qualidade inferior aos produtos especificados nas notas fiscais. Ou seja, o secretário de saúde pagou por determinado material – que já tinha sido vendido com preço superfaturado – e recebeu outro, de qualidade inferior, o que tornou ainda grave a lesão aos cofres públicos.

Fraude processual – Dias depois da diligência policial, Fagner Magela Cordeiro encaminhou um suposto parecer técnico, contestando o resultado da diligência policial, no sentido de que todos os materiais e equipamentos encontravam-se nos órgãos de saúde municipais, em locais que já haviam sido vasculhados pela PF, inclusive na presença de testemunhas e da própria ex-secretária municipal de Finanças.

 
O juiz federal emitiu então nova ordem de busca e apreensão, que foi cumprida na semana passada, no dia 23 de maio. Nessa ocasião, conta a denúncia, “a Polícia Federal tomou o cuidado de enviar os mesmos policiais que empreenderam a primeira diligência para realizarem a nova constatação. E os policiais foram absolutamente categóricos ao afirmar que os equipamentos, surgidos miraculosamente do nada, não se encontravam nas dependências municipais ao ensejo da primeira constatação”.

Para o MPF, “os ex-secretários cometeram evidente fraude processual, pois, após a primeira diligência policial, adquiriram materiais e equipamentos idênticos/similares aos desviados, introduzindo-os nas dependências da Prefeitura de São João da Ponte, com o objetivo de ludibriar a Justiça Federal e ocultar o delito já consumado”.

 
Ou seja, Hélio Gordo recebeu integralmente quase 500 mil reais por produtos vendidos a preços superfaturados, dos quais entregou apenas parte.

Corrupção de menores – O MPF informa que Hélio Gordo vem atuando há mais de 15 anos na região norte-mineira, mediante a criação de associações e sociedades “fantasmas” destinadas à apropriação ou desvio de verbas públicas.

 
Nos anos 90, isso era feito por meio da Associação de Motociclismo do Norte de Minas, também uma empresa “fantasma”, que já lhe rendeu inclusive uma condenação por improbidade, pela Justiça Estadual, com trânsito em julgado. Hélio Gordo foi condenado a ressarcir os cofres públicos de verbas desviadas da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, cujo atual valor de execução supera os 800 mil reais.
 
Quando esse primeiro esquema foi descoberto, Hélio Gordo passou a atuar num ramo mais lucrativo: o da venda, para prefeituras, de medicamentos, produtos e equipamentos médico-hospitalares e artigos da área de educação. Para isso, constituiu novas empresas “fantasmas”, em nome de parentes e amigos que figuravam como “laranjas” ou “testas-de-ferro”, um deles, inclusive, foi assassinado, em circunstâncias ainda desconhecidas, no início deste ano.
 
As empresas Dismedic Ltda, Ronnye Petterson Neris-ME (Cirúrgica Líder), Comercial Costa Azul Ltda e Rio Verde Ltda participaram de inúmeras licitações. Nos contratos sociais, os gestores eram sempre os familiares de Hélio Gordo – a esposa, a filha, o irmão – ou os amigos que concordavam em participar como “laranjas”. Embora as empresas fossem efetivamente geridas por Hélio Gordo, por meio de procurações que lhes concedia o poder de gestão, todos os acusados tinham conhecimento dos negócios ilegais e deles participavam, assinando propostas comerciais e orçamentos entregues às prefeituras.
 
Consta da denúncia que Hélio Gordo chegou a emancipar sua filha, Luanna Katherine Silveira, para que ela pudesse constar como sócia das empresas. Isso aconteceu em outubro de 2005, quando Luanna contava apenas 17 anos. Com a emancipação, ela entrou para o quadro societário da Comercial Costa Azul Produtos Hospitalar e Escolar Ltda., vindo, daí em diante, a colaborar ativamente com o pai em seus negócios ilegais.

Os seis denunciados irão responder por diversos crimes, entre eles, quadrilha, falsidade ideológica, superfaturamento fraudulento em licitação e desvio de verbas públicas.

 
Veja abaixo a relação dos acusados, os crimes de que são acusados e as respectivas penas a que estão sujeitos:

Formação de quadrilha (artigo 288, do Código Penal)
Acusados: Hélio Rodrigues Neres, Maria Enedina Silveira, Luanna Kaherine Silveira e Ronnye Petterson Neris.
Pena: 1 a 3 anos.

Falsidade ideológica (art. 299, do CP)
Acusados: Hélio Rodrigues Neres e Luanna Kaherine Silveira´
Pena: 1 a 5 anos.

Superfaturamento em licitação (art. 96, I, da Lei 8.666/93)
Acusados: Hélio Rodrigues Neres, Ronnye Petterson Neris, Fagner Magela Cordeiro e Rita de Cássia Cordeiro
Pena: 3 a 6 anos.

Fraude na entrega de mercadoria de menor qualidade (art. 96, IV e V, da Lei 8.666/93)
Acusados: Hélio Rodrigues Neres e Fagner Magela Cordeiro
Pena: 3 a 6 anos.

Peculato-desvio de verbas públicas (art. 312, § 1º, do CP)
Acusados: Hélio Rodrigues Neres, Ronnye Petterson Neris, Fagner Magela Cordeiro e Rita de Cássia Cordeiro
Pena: 2 a 12 anos.

Fraude Processual (art. 347, parágrafo único, do CP)
Acusados: Fagner Magela Cordeiro e Rita de Cássia Cordeiro
Pena: 3 meses a 2 anos.

Corrupção de menores (art. 1º da Lei nº 2.252/54)
Acusados: Hélio Rodrigues Neres
Pena: 1 a 4 anos.

Fonte: Fabio Oliva – jornalista investigativo com informações da Assessoria de Comunicação Social Ministério Público Federal em Minas Gerais