Uma questão que promete esquentar na cidade nos próximos meses diz respeito a decisão do Juiz da Vara da Fazenda Pública, Walmir Idalêncio dos Santos Cruz, repercutida pela ONG Marília Transparente. No dia 17 de setembro passado, o Juiz emitiu decisão que obriga a Prefeitura a notificar no prazo de seis meses todos os proprietários de imóveis cadastrados junto à Administração Municipal para rebaixarem as calçadas ou passeios públicos a fim de permitir o trânsito de portadores de necessidades especiais. A data limite, portanto, será março de 2016.
A decisão do Juiz Cruz seria perfeita, haja visto que atualmente as calçadas irregulares impedem a locomoção, obrigando as pessoas com deficiência a transitarem pela rua. Porém, é preciso olhar para isso com certo cuidado e em harmonia com as Leis de acessibilidade do país (Lei n.º 10.098/2000), principalmente a Lei Brasileira de Inclusão (Lei n.º 13.146/2015). Este texto é publicado com o intuito de responder as três primeiras perguntas levantadas pelo Marília Global sobre a questão.
A Lei Brasileira de Inclusão (LBI) origina-se de um projeto reformulado e construído com a sociedade civil. Conforme antecipou Gabrilli, em matéria publicada no Marília Global, o “texto da LBI não só passou a responsabilidade da reforma de calçadas ao poder público, como criou instrumentos legais para o seu cumprimento […] passando aos Tribunais de Contas de todo o país a fiscalização das normas de acessibilidade em obras e também no passeio público. A medida obrigará o gestor a se comprometer com a acessibilidade e fazer uso responsável do orçamento da cidade.”
Mas qual responsabilidade foi passada ao gestor público? A Prefeitura está obrigada a desenvolver um Plano de Rotas Acessíveis. E conforme estabelecido no Estatuto das Cidades (§ 3º do art. 41, redação dada pela Lei Brasileira de Inclusão), esse Plano deve inclusive dispor “sobre passeios públicos a serem implantados ou reformados pelo poder público”. Isso implica na responsabilidade do gestor municipal para com a garantia de acessibilidade da pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida, a todas as rotas e vias existentes, inclusive as que concentrem os focos geradores de maior circulação de pedestres, como órgãos públicos e os locais de prestação de serviços públicos e privados de saúde, educação, assistência social, esporte, cultura, correios, bancos, entre outros, sempre que possível de maneira integrada com os sistemas de transporte coletivo de passageiros.
Resta saber, agora, se o governo municipal está fazendo a sua parte no sentido de se antecipar em cumprir a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência e o Estatuto das Cidades, no quesito desenvolvimento do seu Plano de Rotas Acessíveis para Marília. Janeiro de 2016 está logo ali. Afinal há passeios públicos nas ruas centrais da cidade de grande afluxo de pessoas, as quais, mesmo contendo rampas de acesso a deficientes, com desenho indicativo inclusive, estão visivelmente intransitáveis para deficientes, como demonstra a foto. Afinal cuidar das vias públicas não é somente cuidar dos locais por onde passam os veículos (recapeando ou tapando buracos), pois também os passeios públicos integram o sistema de vias públicas.
Neste caso, a coisa vai ficar tão séria que o gestor público deve ser fiscalizado e ter suas contas aprovadas ou rejeitadas pelo Tribunal de Contas com base nesta responsabilidade sobre as vias públicas, calçadas incluso. Isso passará a ser válido a partir de janeiro de 2016, quando a LBI entrará em vigor (180 dias da data de sua publicação que ocorreu em 7/7/15).
Decisão da Justiça
A sentença proferida pelo Juiz da Vara da Fazenda Pública, Walmir Idalêncio dos Santos Cruz, não faz referência à necessidade de a Prefeitura desenvolver seu Plano de Rotas Acessíveis para Marília, pois esta questão não lhe foi submetida pelas partes no processo. Além disso, conforme apurou a Matra, uma vez chamada a se pronunciar sobre o caso, a Prefeitura retornou a repetir o discurso de crise de que não poderia fazer o ajuste nas calçadas porque não possui orçamento e planejamento para tanto.
No caso do Plano de Rotas Acessíveis, Gabrilli sinaliza em direção oposta afirmando que o dinheiro público para as reformas existe. O que não existe ainda é a responsabilidade do gestor público em investir nos passeios públicos a fim de permitir o trânsito de portadores de necessidades especiais. Afinal ainda nem elaboraram seus Planos. E para forçar o gestor a investir verba realmente em calçadas, Gabrilli trabalha atualmente uma emenda na Lei de Diretrizes Orçamentárias com o intuito de “incluir uma rubrica específica para a reforma do passeio.” Isso significa que, caso aprovada, “nenhum prefeito poderá fazer uso de verba pública para recapear ruas, construir ciclovias e simplesmente ignorar a construção e reforma de calçadas.” A emenda impediria que os municípios continuassem a usar essa verba para qualquer outra obra dentro do escopo de infraestrutura. Caso uma rubrica no orçamento especifica para este fim aconteça, o gestor público agirá com dolo, quando não cuidar dos passeios públicos.
Mas as duas soluções precisam ser harmonizadas, pois com a decisão do Juiz Cruz, este debate passa certamente pela responsabilidade do munícipe em reformar as calçadas. Mas com a LBI, este debate passa certamente pela responsabilidade do gestor público em desenvolver um plano de rotas acessíveis e reformar as calçadas.
Para empurrarmos a cidade para o século XXI, temos que alertar o gestor público sobre a sua obrigação de desenvolver um Plano de Rotas Acessíveis que dê dignidade às pessoas com deficiência. É ele, enquanto gestor da cidade, quem deverá assumir a responsabilidade pelo passeio público nos percursos que compõem o Plano.