* Hélio Schwartsman
O Brasil é engraçado. Todo mundo se diz a favor da moralidade publica, mas poucos estão dispostos a pagar o preço de tê-la.
Os magistrados, por exemplo, estrilaram com relatório do COAF que aponta R$ 856 milhões em movimentações financeiras atípicas por parte de juízes e servidores do judiciário. Disseram que a divulgação de estudo atentava contra a dignidade da magistratura e configurava quebra de sigilo fiscal. Conseguiram, por meio de liminar, bloquear investigações que corriam no âmbito do CNJ.
Este é o mais recente dos casos, mas de modo algum e o único. Poucos anos atrás, funcionários municipais de São Paulo se rebelaram contra o prefeito porque ele decidira divulgar os salários de todos na internet.
Voltando um pouco mais no tempo, responsáveis vozes da sociedade civil atacavam a CPMF, imposto do cheque, porque ela “violava o sigilo bancário”, isto é, permitia às autoridades tributarias saber quanto (não em quê) cada contribuinte gastava.
A questão central aqui é a tal da moralidade precisa de certas condições objetivas para materializar-se. Uma delas é a transparência.
A idéia foi desenvolvida pelo filosofo Immanuel Kant, que, denunciando as “razões de Estado”, enfatizou a necessidade de tornar publico as ações do poder. Para Kant, fazê-lo não era apenas uma exigência política, mas também moral. A mudança marca a passagem do estado de Direito.
Precisamos discutir sem hipocrisia em que grau desejamos impor a moralidade e quanto, em termos de redução das proteções à privacidade, estamos prontos à admitir.
Na linha do quem não deve não teme, eu abraçaria a solução nórdica. Na Suécia, Na Noruega e na Finlândia, a tradição de transparência é tanta que as declarações de renda de todos os cidadãos são publicadas anualmente na rede. Ao que conta, as populações locais não se sentem violentadas pela medida.
* Hélio Schwartsman é articulista da Folha. Bacharel em filosofia