Dando continuidade à apresentação da lista de possíveis irregularidades identificadas pela Matra no Edital de Licitação para a concessão do DAEM (Departamento de Água e Esgoto de Marília) à iniciativa privada, chegamos a um dos pontos que, de tão óbvio, fica difícil acreditar que não foi levado em consideração pela Administração Municipal ao elaborar a proposta de concessão.
Estamos falando da ausência de metas de redução de perdas na distribuição de água tratada, de eficiência e uso racional da água, de energia e de outros recursos naturais.
O artigo 10-A do Marco Regulatório do Saneamento é claro ao estabelecer a obrigatoriedade da presença de cláusula que estipule “metas de expansão dos serviços, de redução de perdas na distribuição de água tratada, de qualidade na prestação dos serviços, de eficiência e de uso racional da água, da energia e de outros recursos naturais, do reuso de efluentes sanitários e do aproveitamento de águas de chuva, em conformidade com os serviços a serem prestados”, sob pena de nulidade da contratação.
Mesmo assim, a Administração Municipal ao elaborar o edital às pressas, sem a devida discussão com especialistas e a própria sociedade por meio de audiências públicas de verdade, sequer mencionou estas questões tão importantes. “A presença de cláusulas a respeito de tais problemáticas é imperiosa, tendo em mente que os eventuais licitantes não sabem que precisam formular propostas nesse sentido – até porque, como visto, não há tais exigências nem no Plano Diretor de Saneamento apresentado e não foram realizados estudos técnicos preliminares”, afirmou a Matra na ação que tramita na Justiça.
A análise do Edital, feita pelo Departamento Jurídico da Matra, também identificou a falta de rigorosidade da matriz de risco adotada, informando as responsabilidades de cada parte do contrato em caso de eventos adversos futuros. “Percebe-se, da leitura do contrato, que houve tão somente a enumeração de caso fortuito e de força maior, mas não houve o trabalho de indicar, de maneira extensa e exemplificada, o que seria considerado caso fortuito ou força maior. É para isso que serve a matriz de riscos. Não há uma lista de possíveis eventos supervenientes, só a enumeração dos requisitos legais para o contrato sem nenhum aprofundamento”, apontou a Matra. O estabelecimento prévio da matriz de riscos serve justamente para evitar o surgimento de impasses ou que eles sejam facilmente solucionados, o que também é feito com base em critérios técnico-científicos compatíveis à realidade do objeto contratual. Caso contrário, em qualquer momento a empresa concessionária poderá alegar “problemas de força maior” para “dividir” com a Administração Municipal e os próprios consumidores, custos que na verdade deveriam ser assumidos exclusivamente pela empresa, conforme o que deveria estar previsto no contrato. Como não está, a população fica desprotegida, à mercê da futura concessionária neste sentido.
E mais! Outra possível irregularidade identificada pela Matra é justamente o estabelecimento de uma estranha cláusula arbitral no contrato. “Por definição, uma cláusula arbitral vincula a adoção do procedimento, proibindo que questões sejam discutidas judicialmente antes de averiguadas pelo juízo arbitral”, apontou a Matra na ação. Desta forma, as contradições se tornam insustentáveis como, por exemplo, as futuras revisões nos valores da tarifa, “uma vez que se houver divergência quanto à legitimidade e/ou quanto ao valor revisado, sem que se chegue ao consenso, caberá a aplicação da Arbitragem para solução do conflito, conforme o estabelecido no capítulo V do regulamento”, ressaltou a Matra.
Ou seja, só nos quatro tópicos apontados pela Matra neste texto, a concessão não prevê cláusulas básicas de qualidade do serviço prestado, ausência de metas de redução de perdas, não estabelece uma matriz de risco tecnicamente fundamentada e ainda tira dos munícipes a possibilidade de questionar os eventuais problemas diretamente na Justiça, uma vez que o contrato estabelece como regra a Arbitragem, um procedimento que ainda custa caro!
E nem adianta apostar na tal Agência Reguladora (alternativa encontrada pela a Administração para acomodar os funcionários do DAEM), uma vez que como o próprio edital prevê, a agência será custeada pela empresa concessionária, por meio de pagamentos mensais, ficando, portanto, a sobrevivência dela vinculada à concessionária. “A receita e pagamentos mensais da agência pela concessionária fere o princípio da impessoalidade previsto na Constituição Federal, porque instaura um conflito de interesses permanente entre o fiscalizador e aquele que é fiscalizado – sem contar que isso acaba penalizando o próprio usuário dos serviços, indo compor os custos financeiros da concessionária, integrando o valor da tarifa”, concluiu a Matra.
Fique atento, cidadão, cobre o Prefeito e os vereadores. O tempo está acabando! Lembre-se que Marília e o DAEM tem dono: VOCÊ!
No link abaixo você pode conferir o primeiro artigo desta série sobre a a Ação Civil Pública protocolada pela Matra na Justiça:
*Imagens meramente ilustrativas.